Monica Gugliano | Valor Econômico
SÃO PAULO - No espaço de quatro anos, a revista "The Economist" dedicou duas capas ao Brasil. Na primeira, em 2009, o Cristo Redentor alçava voo e a revista afirmava: "O Brasil decola". Na segunda, em 2013, o Cristo Redentor mergulhava do céu em queda livre. Em 2017, em plena crise, diplomatas e estudiosos da política externa afirmam: nem tudo foi posto a perder, mas recuperar a imagem positiva do país não será fácil. "A política externa é indissociável daquilo que somos em política interna e em economia. E o Brasil ainda passa por um momento crítico. Não vejo como ter imagem positiva de um país governado por um sujeito que enfrenta sua segunda denúncia de corrupção", diz o embaixador Rubens Ricupero, autor do recém-lançado livro "A Diplomacia na Construção do Brasil - 1750 - 2016" (Versal Editores).
Em mais de 700 páginas, a obra à qual Ricupero se dedicou nos últimos dois anos descreve o papel da diplomacia em cada uma das etapas decisivas da história, de 1750 até hoje. "Com seus acertos e erros, a diplomacia marcou profundamente cada uma das etapas definidoras de nossa história: a abertura dos portos, a independência, o fim do tráfico de escravos, a inserção no mundo pelo comércio, os fluxos migratórios, voluntários ou não, base da população, a consolidação da unidade nacional ameaçada pela instabilidade na região platina, a modernização, a industrialização e o desenvolvimento econômico", diz.
O embaixador, que foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo de Itamar Franco (1992-1994), destaca que durante 200 anos a diplomacia fez sua parte e deu ao país contribuição maior do que outros setores. "No entanto, a crise a que se chegou é de tal gravidade que não é mais possível a um setor isolado como a diplomacia ou algumas outras poucas ilhas de excelência continuarem a construir, se o sistema político e partidário agrava a desmoralização e o enfraquecimento das instituições", afirma.
Tanto para quem analisa o cenário do ponto de vista econômico quanto para quem privilegia a capacidade de influência de um país no mundo, é corrente a convicção de que o Brasil perdeu espaço lá fora, mas o país esboça reação. "No plano conjuntural, a diplomacia brasileira está trabalhando ativamente para projetar a atual recuperação da economia do país, atrair investimentos, aumentar comércio, recuperar espaços. O Brasil tem atributos de influência no mundo, em tamanho do PIB, população, extensão territorial, a terceira mais antiga academia diplomática do mundo, que são permanentes", diz o embaixador Marcos Galvão, secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores.
A política externa perdeu protagonismo, mas o Itamaraty tem mantido um mínimo de coerência e o país, bem ou mal, tem mantido também seus compromissos, diz Renato Flores, diretor do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional e professor da Fundação Getúlio Vargas do Rio. "Não podemos ignorar que ainda há muito interesse pelo Brasil no mundo."
Para muitos, o Brasil é um dos cinco "monster countries", expressão do diplomata George Frost Kennan, ao designar os EUA, o Brasil, a Índia, a Rússia e a China, cujos territórios continentais e populações gigantes, por si só, já lhes dão importância e vantagens comparativas com outros países do mundo. "O Brasil tem características que o tornam importante independentemente do governo particular no poder ou da conjuntura política particular. Por exemplo, tem um território muito grande e uma economia muito grande com consideráveis recursos naturais e humanos. É por isso que continua a receber substancial investimento estrangeiro direto", diz Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute do King's College London.
O embaixador Roberto Jaguaribe, presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), diz que a situação no Brasil não se refletiu nos números da entrada de investimentos estrangeiros. O país, afirma, tem mantido a sexta posição no ranking dos mais atrativos locais para se investir. "Creio que houve perda de credibilidade muito mais junto à opinião pública do que aos agentes interessados em investir. Não há como um país com as características do Brasil deixar de ser um ator de relevância no mundo", afirma.
Além dessas características, de acordo com Flores, o Brasil também tem a seu favor o fato de não ser o único país que não vai bem. "Veja a França, o presidente Emmanuel Macron não vai bem. O Reino Unido, em meio ao Brexit, os Estados Unidos, com o midiático Donald Trump a alimentar conflitos. Não estamos sozinhos nessa fotografia", diz.
Na opinião de quem vê o Brasil de fora, a baixa visibilidade da política externa se deve aos parâmetros que se estabeleceram a partir do governo Fernando Henrique e se mantiveram durante a era Lula. "Podemos dizer que o auge do ativismo brasileiro na política externa veio e foi no segundo mandato do presidente Lula, nos anos de 2007 a 2010. Mas que com a presidente Dilma Rousseff, que não estava muito interessada na política externa, a visibilidade do Brasil declinou. E continua com o governo do presidente Michel Temer, que não parece ter muita estratégia de política externa", diz Pereira.
Ricupero dedica capítulos aos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma. O sociólogo Fernando Henrique, descreve, e o operário Lula fascinavam as plateias externas. Cada um à sua maneira exerceu em toda a sua plenitude a chamada "diplomacia presidencial". "Lula sempre gostou da diplomacia. Mas um dos grandes defeitos e problemas dessa política externa é que era conveniente, inclusive por objetivos internos, para Lula exagerar os avanços e as conquistas. Foi o tempo da diplomacia do triunfalismo", afirma. "O desgaste já começou no governo Lula, quando, para eleger sua sucessora, começou a solapar os fundamentos econômicos que haviam permitido o êxito e o reconhecimento do Brasil. Aí veio Dilma e acabou com tudo."
Para o embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), a política externa foi um dos pontos mais vulneráveis do governo Dilma. "Não é segredo o desapreço com que o Itamaraty foi tratado por parte da presidente Dilma Rousseff nos últimos anos e a pouca importância que foi dada às posições tradicionais recomendadas pela Chancelaria nos problemas que afetam diretamente o interesse nacional", observa. "O Itamaraty deixou de ser o primeiro formulador e coordenador em matéria de projeção internacional do país, em virtude de interferências indevidas em seu trabalho analítico e em seus processos decisórios."
Aliados do ex-presidente Lula e diplomatas que desempenharam importantes funções nos governos petistas discordam desse ponto de vista. "O que aconteceu é que o Brasil abriu mão do seu protagonismo. Nada é feito. Qual foi a grande ação desse governo de Temer na política externa? Qual é a mensagem que o Brasil tem para levar ao mundo?", pergunta um desses diplomatas, que preferiu não ser identificado.
Mas, para Ricupero, as razões desse momento estão na compreensão de que as premissas responsáveis pela crença de que o Brasil passara a ocupar um lugar de destaque no mundo eram falsas. "Muitos tendem a achar que o mundo teria feito uma aposta equivocada em relação ao Brasil. Não foi isso. Quando o Brasil conquistou o grau de investimento, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos se consolidou percepção externa de que o país tinha dado certo. Naquele momento essa ideia estava certa. Errada era a ideia de que aquela situação era definitiva."
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