- Folha de S. Paulo
A exemplo do MBL, o Escola Sem Partido simboliza bem a indigência intelectual do país. Ambos os movimentos se valem de raciocínios teóricos típicos de quem nunca se aventurou muito além de "Reinações de Narizinho".
Ainda assim o Escola Sem Partido acabou inadvertidamente fazendo algo útil. Ao pedir à Justiça e dela obter uma liminar que suspende o item do edital do Enem que considera nula toda e qualquer redação que "desrespeite os direitos humanos", o movimento trouxe uma discussão interessante.
Com efeito, a atitude do Inep, o órgão do MEC que elabora e corrige a prova, de dar nota zero a essas dissertações sem nem sequer considerar os argumentos que lá estejam é coisa de quem nutre o pensamento religioso —"não conspurcarás o nome dos direitos humanos"—, não de educadores preocupados em ensinar pela via do convencimento.
É decerto mais difícil desenvolver uma argumentação sólida e coerente passando por cima de direitos e prerrogativas reconhecidos como fundamentais, mas não é necessariamente impossível fazê-lo. Há, por exemplo, uma rica literatura filosófica em cima do chamado cenário da bomba-relógio, no qual as autoridades têm em mãos um terrorista que é a única pessoa que sabe onde o artefato explodirá dentro de algumas horas, causando um número expressivo de vítimas inocentes. Será que, nessas condições, torturá-lo para revelar o local do ataque é imoral?
Goste-se ou não desse experimento mental, ele é um caso em que a tortura —provavelmente a ofensa máxima aos direitos humanos— pode ser defendida com argumentos respeitáveis, sob o guarda-chuva de uma doutrina filosófica coerente (o consequencialismo) e com uma motivação nobre (salvar inocentes). Pelos critérios do Inep, porém, um autor do calibre de Jeremy Bentham, o primeiro a levantar esse tipo de questão, ainda no século 19, levaria nota zero.
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