Biden e a necessidade de unir os EUA
Em
seu discurso
de posse, Joe Biden enfatizou a necessidade de unir o país. Depois de
quatro anos de cizânia sob Donald Trump, que deixou como saldo até uma
canhestra tentativa de golpe, era natural que o novo presidente tentasse esse
caminho, que não é estranho ao DNA dos Estados Unidos. Um dos motos do país,
afinal, é “E
pluribus unum” (de muitos, um).
Uma
das mais interessantes questões da sociologia é a de saber o que transforma
indivíduos heterogêneos num povo. Em tempos mais remotos, quando todos vivíamos
em grupamentos de algumas dezenas de pessoas, quase todas aparentadas, era o
próprio DNA que dava a liga. Mas, à medida que passamos a habitar comunidades
maiores, o problema da unidade foi se impondo.
Uma resposta que ecoa até hoje é a de autores românticos do século 19, como Johann Gottlieb Fichte. Para eles, é o passado, consubstanciado em categorias como sangue, raça e língua, que forja a nação. É uma narrativa perigosamente essencialista, que, em suas piores manifestações, desaguou na mitologia nazista.
Também
no século 19, pela pena de autores como Ernest Renan, surgiram respostas mais
democráticas. Nessa visão, é a vontade de construir um futuro comum muito mais
do que o passado que conduz à unidade. Na imagem de Renan, a nação é um
“plebiscito diário”, ao qual todos respondem sim. Não é coincidência que esse
tipo de retórica fosse a predominante nos países do Novo Mundo, como os EUA,
cujas populações tinham diferentes origens étnicas.
Minha impressão é que os EUA envelheceram. Vários grupos hoje preferem aglutinar-se em torno de versões idealizadas de um passado que nunca existiu a apostar em um futuro comum. Não sei se Biden vai ter força para mudar isso, mas sei que o atual estado de espírito cai como uma luva na definição de povo do sociólogo Karl Deutsch: “Um grupo de pessoas unido por uma visão distorcida do passado e pelo ódio aos vizinhos”.
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