Procurador-geral
lava as mãos diante da leniência de autoridades e ainda faz alerta
antidemocrático
É
no mínimo espantosa a nota divulgada pelo procurador-geral da República,
Augusto Aras, sugerindo que o presidente Jair Bolsonaro poderia decretar o
estado de defesa, já que o decreto legislativo de 20 de março de 2020
reconheceu, em virtude da pandemia, estado de calamidade pública no Brasil.
Esta seria, para ele, uma “antessala” do estado de defesa, que autoriza
supressão de direitos. Os constituintes que deram poderes ao Ministério Público
na Carta de 1988, para que de forma independente representasse os interesses da
sociedade, jamais imaginariam que um dia o procurador-geral da República
pudesse fazer ameaças antidemocráticas.
Aras afirmou ainda que “eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes públicos da cúpula dos poderes da República são da competência do Legislativo”. É verdade que cabe ao Congresso abrir processos de impeachment, em caso de crimes de responsabilidade. Mas Aras ignora de modo flagrante um papel cardeal da PGR: investigar e denunciar crimes comuns cometidos pelo Executivo.
Em
resposta a Aras, seis dos dez subprocuradores que compõem o Conselho Superior
do Ministério Público Federal emitiram nota afirmando que o procurador-geral é
obrigado a denunciar autoridades do Executivo com base na Constituição. Exemplo
recente foram as duas denúncias do ex-procurador-geral Rodrigo Janot contra o
presidente Michel Temer, depois rejeitadas pela Câmara. Os procuradores
lembraram o óbvio: “O Ministério Público Federal e, em particular, o
procurador-geral da República, precisa cumprir seu papel na defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e de titular da persecução penal, devendo
adotar as necessárias medidas investigativas”.
É
simplesmente inadmissível que Aras flerte de modo tão explícito com o golpismo
que emana do bolsonarismo. Seu alerta, é bom lembrar, foi feito logo depois de
Bolsonaro afirmar que as Forças Armadas é que decidem se haverá democracia ou
ditadura, uma aberração inconstitucional
As
instituições não podem ficar impassíveis diante da tragédia das mortes por
asfixia de vítimas da Covid-19 em Manaus, por incúria do Ministério da Saúde,
sob influência direta do negacionismo do presidente Bolsonaro e inépcia de seu
ministro da saúde, general Eduardo Pazuello.
A
crise sanitária fora de controle tende a aumentar a tensão na sociedade,
desprotegida pela falta de vacinas. Novamente por imprevidência do governo
Bolsonaro, militante antivacina, e pela diplomacia que segue dogmas ideológicos
e não o interesse nacional. Uma hora a pandemia vai acabar. Mas seus efeitos
nefastos permanecerão por muito tempo. Responsabilidades por esse descalabro
precisarão ser esclarecidas.
Em
vez de sugerir a descabida decretação de estado de defesa, o procurador-geral
deveria era investigar a negligência de autoridades que faz do Brasil um pária
internacional e transforma o país num profícuo produtor de cadáveres.
Governo prometeu demais e fracassou na hora de entregar as vacinas – O Globo / Opinião
Falta
de doses resulta de erros no planejamento, incompetência da diplomacia e
hesitação de institutos na hora de investir
Em
6 de janeiro, às vésperas de o Brasil alcançar a marca fatídica de 200 mil
mortos pelo novo coronavírus, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse num
pronunciamento em rede nacional que o país tinha asseguradas 354 milhões de
doses de vacina contra a Covid-19. Balela. No mundo real, dispõe de 6 milhões
de doses de vacina — no singular mesmo, pois é só uma, a CoronaVac, da chinesa
Sinovac, produzida em parceria com o Butantan. Mais 4 milhões de doses da
CoronaVac que foram envasadas no Brasil e aguardam aprovação da Anvisa (a
palavra-chave aí é “envasadas”). E a promessa de que hoje chegue enfim o lote
de 2 milhões de doses, comprado meio no improviso do Instituto Serum, da Índia,
para dar início à campanha nacional de imunização. Ao todo, pouco mais de 3% do
que foi anunciado por Pazuello.
E
onde está o resto? Ninguém sabe, ninguém viu. Bolsonaro desde o início
desdenhou as vacinas, sobretudo a “vacina chinesa”, que atribuiu a seu rival
João Doria. A produção da vacina de Oxford pela Fiocruz ainda é uma incógnita.
A parceria foi firmada no último dia 31 de julho, prevendo 100 milhões de doses
no primeiro semestre de 2021. Até agora, o Ingrediente Farmacêutico Ativo
(IFA), matéria-prima para a fabricação, não chegou da China. Na terça-feira, a
Fiocruz informou que, devido ao atraso, só poderá entregar as doses a partir de
março. O Butantan também aguarda a chegada do IFA da China para produzir mais
doses, e o atraso na vinda da matéria-prima já causa preocupação.
A
situação resulta de uma série de erros do governo. A começar pela descrença de
Bolsonaro nas vacinas — ele sempre sabotou a vacinação, dizendo até que não se
vacinaria. A falta de planejamento resultou na aposta em poucos fabricantes,
graças a iniciativas isoladas. A diplomacia brasileira tem sido de uma
incompetência flagrante diante da China e da Índia, bases da produção.
Finalmente,
os institutos brasileiros hesitaram e foram incapazes de investir a tempo para
trazer ao país a produção dos insumos (já que ambos os acordos supõem
transferência de tecnologia). Tal atitude é reflexo de uma legislação atrasada,
que desincentiva gestores públicos a fazer investimentos de risco, pois sempre
são penalizados em meio às exigências de uma burocracia irracional, que pune o
menor desvio e jamais premia o sucesso.
Enquanto
mais de 50 países já vacinam suas populações, no Brasil a imunização patina
pela falta de vacinas e, ainda por cima, está sujeita a fraudes. Criou-se uma
expectativa que será frustrada a qualquer momento, quando as doses acabarem.
Que campanha de vacinação é essa?
Pedidos de impeachment – O Estado de S. Paulo / Opinião
Existem
56 pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro. O País não pode ficar refém de
alguém que despreza a vida da população.
Em geral, grandes adversidades oferecem aos governantes a oportunidade de exercer uma liderança que, em tempos normais, dificilmente ocorreria. Não é preciso realizar feitos extraordinários. Muitas vezes um comportamento mediano é capaz de assegurar, numa grande crise, novo patamar de reconhecimento a muitos governantes. Jair Bolsonaro, no entanto, conseguiu o exato oposto.
Em
vez de representar uma oportunidade de aplainar resistências e consolidar uma
natural liderança – afinal, vigora no País o regime presidencialista –, a
pandemia do novo coronavírus significou, para Jair Bolsonaro, uma multiplicação
do número de pedidos de impeachment.
Desde
2019, 61 denúncias contra Jair Bolsonaro a respeito de crimes de
responsabilidade foram protocoladas na Câmara dos Deputados. Desse total, 54
foram apresentadas depois de março de 2020, quando começou a pandemia no País.
No
futuro, historiadores vão querer estudar e entender como o presidente Jair
Bolsonaro realizou esse feito. O fato é que ele conseguiu. No meio de uma
pandemia, com inúmeras preocupações e desafios a serem enfrentados, cidadãos
das mais diversas orientações políticas e ideológicas, bem como partidos e
entidades, viram-se na obrigação de denunciar o presidente da República por
crime de responsabilidade.
Em
tese, o impeachment deveria ser a última coisa a se pensar numa pandemia. Com
um vírus mortal circulando pela sociedade, a causar morte e sofrimento e a
exigir sérias restrições da atividade social e econômica, não se deveria
cogitar de afastar do cargo o presidente da República. Esse raciocínio foi, no
entanto, inteiramente invalidado pela conduta de Jair Bolsonaro. Suas ações e
omissões na pandemia impuseram à Nação uma nova preocupação, dentro de um
quadro que já era bastante desafiador.
Não
se diga que essa reação foi apenas nos primeiros meses da pandemia, nos quais
poderia haver alguma perplexidade do poder público perante um fenômeno
completamente novo. Mesmo agora, com protocolos bem consolidados pela
comunidade internacional e vacinas contra a covid-19 aprovadas, o presidente
Jair Bolsonaro continua se mostrando completamente incapaz de lidar
responsavelmente com a crise sanitária.
A
reiterada conduta de Jair Bolsonaro motivou, por exemplo, a apresentação por
cinco partidos da oposição (PT, PDT, PSB, Rede e PCdoB) de uma nova denúncia
coletiva, baseada, entre outros pontos, na morte por falta de oxigênio de
pacientes no Amazonas e no Pará.
Esse
excepcional conjunto de pedidos de impeachment durante a pandemia não pode ser
ignorado. Entre outras coisas, manifesta que o sistema de controle amplo dos
crimes de responsabilidade, previsto no Direito brasileiro, está funcionando.
Segundo a Lei 1.079/1950, qualquer cidadão pode denunciar o presidente da
República ou ministro de Estado por crime de responsabilidade perante a Câmara
dos Deputados.
Segundo
o Estado apurou,
dos 61 pedidos de impeachment apresentados desde janeiro de 2019, apenas 5
foram arquivados, por descumprimento de requisitos formais, como a falta de
assinaturas. Existem, assim, 56 pedidos sobre a mesa do presidente da Câmara
dos Deputados, a quem compete verificar o preenchimento dos requisitos legais
e, se for o caso, submetê-los à apreciação de comissão especial, composta por
representantes de todos os partidos. O caráter especial dos tempos atuais –
apesar do início da vacinação, o País ainda está distante de vencer a pandemia
– não deve significar a inviabilidade, por princípio, de qualquer pedido de
impeachment.
A
maioria das denúncias contra o presidente da República por crime de responsabilidade
ocorreu precisamente em função de sua conduta no enfrentamento da crise
sanitária. Depois de quase um ano de pandemia, Jair Bolsonaro deu mostras mais
que suficientes de que não vai mudar. O Direito e a Política dispõem de
instrumentos para sanar essas situações. Que o presidente da Câmara não tenha
receio de usá-los. O País não pode ficar refém de alguém que despreza não
apenas a Constituição, mas a vida e a saúde de sua população.
Ainda longe da vacinação em massa – O Estado de S. Paulo / Opinião
Há
um risco nada desprezível de que uma campanha massiva só ocorra ao longo de
2022.
O Brasil tem 212 milhões de habitantes. Epidemiologistas calculam que entre 180 e 190 milhões precisarão ser imunizados contra a covid-19 para que a cobertura vacinal atinja o patamar necessário para frear a disseminação do novo coronavírus no País.
O
Sistema Único de Saúde (SUS) tem capacidade e experiência para vacinar milhões
de brasileiros rapidamente em todo o território nacional. O Programa Nacional
de Imunizações (PNI) é referência em vacinação massiva. Só existe um problema,
e muito grave: não há vacinas na quantidade que o Brasil precisa.
Hoje,
o País só conta com os 6 milhões de doses da Coronavac aprovadas para uso
emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em que pese
a louvável diligência do governo de São Paulo, sem a qual nem isso haveria, é
uma quantidade pequena, suficiente apenas para vacinar um punhado de pessoas em
cerimônias oficiais Brasil afora e uma ínfima parcela dos grupos prioritários,
considerando que cada pessoa deve receber duas doses da vacina. Até amanhã, o
Instituto Butantan espera obter a aprovação da Anvisa para mais um lote de 4,8
milhões de doses da Coronavac, desde, é claro, que haja Ingrediente
Farmacêutico Ativo (IFA) em volume suficiente. É muito provável que consiga,
mas ainda é pouco.
A
Anvisa também autorizou o uso emergencial de um lote de 2 milhões de doses da
vacina Oxford/AstraZeneca, produzida pelo Serum Institute, na Índia. Mas, a
despeito do estardalhaço com que o governo federal anunciou a chegada deste
carregamento ao País no domingo passado, não houve a entrega. Prevê-se que
estas vacinas cheguem ao Brasil no fim de semana.
No
futuro, tanto o Butantan como a Fiocruz vão produzir as duas vacinas no Brasil
sem depender do IFA que vem da China, mas ainda não está claro quando os
laboratórios terão esta independência.
Contando
com os insumos externos, o Butantan prevê entregar 46 milhões de doses da
Coronavac ao Ministério da Saúde até março. Com a conclusão da obra de sua nova
fábrica, no fim do ano, o instituto paulista prevê fabricar 100 milhões de
doses por ano a partir de 2022. A Fiocruz planeja entregar um total de 100,4
milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca até junho e mais 110 milhões de
doses até o final de 2021. Mas tais prazos e quantidades podem estar
comprometidos. A China suspendeu o envio do IFA ao Brasil sob alegação de
“entraves burocráticos” e “alta demanda”.
Como
se vê, há risco nada desprezível de que uma campanha massiva de vacinação da
população só vai ocorrer ao longo de 2022.
É
evidente que é enorme a demanda por IFA no mundo todo. Mas a posição
desfavorável do País nesta fila pode estar relacionada ao comportamento hostil,
quase patológico, do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em
relação à China e às omissões do presidente Bolsonaro. Esforços de
reaproximação com os chineses, a fim de destravar o envio do IFA, estão sendo
feitos, principalmente pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.
Oxalá surtam efeito.
A
insegurança em relação à quantidade de vacinas de que o País poderá dispor neste
ano revela o quão pernicioso foi o comportamento desleixado de Bolsonaro em
relação a tema tão vital. E diz muito sobre sua desastrosa aposta em uma só
vacina, a Oxford/AstraZeneca, da qual, repita-se, ainda não há uma dose sequer
pronta para aplicação no País.
Bolsonaro
tem de começar a trabalhar de uma vez por todas para que todos os cidadãos
sejam vacinados o mais rápido possível. A Nação está farta de tanto descaso e
incompetência, quando não perversidade. Mais de mil brasileiros morrem de
covid-19 todos os dias e só a vacinação em massa é capaz de frear este
morticínio.
É
urgente buscar acordos com outros fabricantes para trazer ao País tantas doses
de vacinas quanto for possível. Não se sabe por quanto tempo cada vacina
oferece proteção contra o vírus, milhões de doses serão necessárias.
Bolsonaro
também precisa abandonar a demagogia e permitir que empresas privadas adquiram
vacinas. Toda ajuda é bem-vinda nesta hora grave.
O alarme estridente do BC – O Estado de S. Paulo / Opinião
Juros
continuam em 2%, mas Copom alerta para risco importante de alta da inflação.
Atenção, governo, mercado e cidadãos em geral: há fortes sinais de perigo no front da inflação e pode ser necessário, em breve, apertar a política de juros. Esta é a principal mensagem transmitida pelo Banco Central (BC) em comunicado sobre a última reunião de seu Comitê de Política Monetária, o Copom. Nessa reunião se decidiu mais uma vez manter a taxa básica em 2% ao ano, mas essa estratégia está chegando ao limite. Há também um recado implícito – e muito grave. Se for preciso mexer no custo do dinheiro e encarecer o crédito, será enfraquecido o único instrumento de estímulo econômico em operação neste momento.
Qualquer
outro dispositivo dependeria da equipe econômica, ainda em busca de meios para
sustentar a recuperação. O auxílio emergencial acabou em 31 de dezembro. As
ações excepcionais permitidas na fase de calamidade pública estão encerradas.
Janeiro está no fim e ninguém pode dizer com alguma segurança, até agora, como
se combinarão em 2021 o reparo das finanças oficiais, a criação de empregos e a
expansão dos negócios.
Com
juros mais altos a dívida pública ficará mais cara, cada rolagem terá custo
maior e será mais difícil moderar seu crescimento. Isso reduzirá o espaço, já
muito estreito, de administração das finanças públicas. O governo poderá
precisar de maior austeridade, mas isso dependerá dos interesses eleitorais do
presidente da República. Decisões pouco austeras poderão ser facilitadas,
segundo avaliação corrente no mercado, se o candidato do presidente Jair
Bolsonaro, Arthur Lira, chegar à presidência da Câmara dos Deputados.
O
mercado pode elevar seus juros antes de um aumento da taxa básica pelo Copom.
Também para isso os diretores do BC, membros do comitê, vêm chamando a atenção
há meses. O custo do financiamento, especialmente do Tesouro, é em grande parte
determinado pelas expectativas de evolução das contas públicas e da inflação.
Essas expectativas podem piorar sensivelmente, se houver fortes sinais de
abandono da responsabilidade fiscal.
Por
enquanto, segundo o Copom, é possível manter os juros básicos em 2% ao ano, o
nível mais baixo da série histórica. As estimativas ainda apontam inflação
compatível com as metas oficiais até 2022. Mas nenhuma decisão está garantida.
A reunião de quarta-feira oficializou o abandono do forward guidance, ou orientação
prospectiva, recurso de comunicação mantido por vários meses.
Pelo forward guidance, o Copom indicava
a intenção de manter o estímulo monetário enquanto certas condições perdurassem.
Essas condições sumiram. As expectativas de inflação, assim como as projeções
de inflação do cenário básico, “estão suficientemente próximas da meta de
inflação”, considerado o horizonte relevante, correspondente aos anos de 2021 e
2022. Mais que isso: aumentou o risco de estouro das metas.
No
jargão do BC, “as diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se em
níveis acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta de inflação”. Em
outras palavras: os núcleos de inflação, calculados com exclusão de certos
preços mais sujeitos a instabilidades, indicam tendência preocupante, com risco
maior de superação dos limites oficiais.
De
imediato, a alta das cotações internacionais pressiona os preços internos dos
alimentos e pode afetar também os preços dos combustíveis. Isso pode elevar a
inflação nos próximos meses. O Copom continua avaliando esses choques como
temporários, embora sejam mais persistentes do que se esperava. Mas o plano é
seguir monitorando esses choques e seus efeitos.
Se
a inflação se agravar, as famílias terão dificuldades adicionais para manter o
nível de consumo, e isso afetará a demanda de vários tipos de produtos
industriais e de serviços. Pior, ainda, se o surto inflacionário for puxado
pelos preços da comida. Se o mercado se assustar com tolices cometidas em
Brasília, o dólar poderá subir e aumentar o desajuste dos preços. O Copom se
absteve de explicitar estas advertências finais. Mas no governo, espera-se,
deve haver gente preparada para percebê-las.
Investigue-se –Folha de S. Paulo / Opinião
Procuradoria-Geral
e Congresso devem examinar conduta de Bolsonaro na pandemia
Não
deixou de ser revelador o comunicado
divulgado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmando que
compete ao Congresso Nacional a responsabilização de integrantes da cúpula dos
Três Poderes —leia-se o presidente Jair Bolsonaro— por eventuais ilícitos no
combate à Covid-19.
O
tom defensivo do texto expõe um chefe do Ministério Público Federal acuado.
“Segmentos políticos clamam por medidas criminais contra autoridades federais,
estaduais e municipais”, diz o ofício, que não menciona o presidente e apenas
cita discretamente o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Imediatamente,
o documento de Aras provocou reações internas. Seis subprocuradores-gerais que
compõem o Conselho Superior do MPF apontaram, com razão, que a “referida nota
parece não considerar a atribuição para a persecução penal de crimes comuns e
de responsabilidade da competência do Supremo Tribunal Federal”.
Pela
Constituição, compete ao Legislativo julgar crimes de responsabilidade, mas
cabe à Procuradoria investigar crimes comuns de autoridades com foro no Supremo
Tribunal Federal, entre elas o presidente e seus ministros.
No
caso do mandatário, a Carta exige que dois terços da Câmara dos Deputados
admitam uma acusação —o que não impede, no entanto, que se instaurem
investigações quando necessário.
Aras
até tomou providências relativas à tragédia da falta de oxigênio em Manaus, mas
apenas em relação às autoridades municipais e estaduais. Quanto ao governo
federal, as medidas se restringiram às de caráter administrativo, entre elas
pedir explicações ao inepto general ministro da Saúde.
Do
nebuloso comunicado oficial do duvidoso procurador, resta verdadeiro que cabe
ao Congresso o exame de crimes de responsabilidade, definidos pela lei 1.079,
de 1950, e puníveis com o impeachment —e, no caso de Bolsonaro, trata-se de
tema hoje em debate.
Levantamento
da Folha encontrou ao menos 23
situações que poderiam suscitar questionamentos dessa ordem —a legislação
descreve 65 possibilidades. Até agora, com efeito, 61 pedidos de impeachment do
presidente foram apresentados à Câmara dos Deputados, dos quais 5 foram
arquivados.
Este
jornal já defendeu que o Legislativo se debruçasse sobre as acusações de
interferência indevida na Polícia Federal feitas ao mandatário pelo ex-ministro
Sergio Moro, da Justiça. Agora, também a conduta de Bolsonaro diante da
pandemia, que transcende o descaso e a incompetência, merece investigação
minuciosa.
Sem
prejuízo das obrigações da Procuradoria-Geral, a um Congresso altivo cabe fazer
sua parte.
Aplicativo da desfaçatez – Folha de S. Paulo / Opinião
Agora
desativado, serviço da Saúde fazia prescrição de remédios ineficazes
É
simbólico da maneira calamitosa como o governo enfrenta a pandemia o fato de
que, enquanto o suprimento de oxigênio em Manaus chegava ao fim, o ministro da
Saúde, em visita à cidade, se ocupasse do lançamento de um aplicativo
destinado a promover um inexistente tratamento precoce aos acometidos pela
doença.
Na
interminável lista dos desmandos da administração federal ao longo da
emergência sanitária, a defesa obstinada de um conjunto de fármacos
supostamente eficazes, hidroxicloroquina à frente, é talvez o mais duradouro.
Centenas
de grupos de pesquisa escrutinaram essa e outras drogas e a conclusão é que, se
elas têm efeito sobre a moléstia, é diminuto demais e não compensa o risco de
efeitos adversos.
Nada
disso demoveu Jair Bolsonaro e seu preposto na Saúde, general Eduardo Pazuello,
que seguiram promovendo, ao arrepio das recomendações científicas, o uso das
substâncias, enquanto o presidente colocava em dúvida estratégias comprovadas
como o isolamento social, o uso de máscaras e, absurdo dos absurdos, as
vacinas.
No
caso da cloroquina, o governo ainda tem de se haver com um enorme estoque da
droga, produzida pelo Exército ou doada pelos Estados Unidos, e há meses tenta
repassá-lo a estados e municípios. Em Manaus, isso ficou explícito na pressão
exercida para a distribuição desse e de outros medicamentos aos pacientes.
Integrantes
do ministério fizeram ronda nas Unidades Básicas de Saúde da cidade para
estimular o uso das medicações. A pasta ainda tratou como “inadmissível”, em
documento enviado à Secretaria de Saúde de Manaus, a opção de não utilizá-las.
Completa
o descalabro o famigerado aplicativo TrateCOV, providencialmente retirado do ar
nesta quinta (21). Criado para auxiliar médicos e enfermeiros, o programa
receita, para qualquer combinação de sintomas genéricos, como fadiga, dor de
cabeça e diarreia, o uso de cloroquina e ivermectina, além de antibióticos.
Talvez
temeroso das possíveis consequências de elevar uma terapia sem respaldo
científico à categoria de política pública, um dissimulado Pazuello afirmou
dias atrás que sua pasta nunca incentivou o tratamento, mas sim o atendimento
precoce.
São
fartos, porém, os registros em contrário, nos canais oficiais e nas assertivas
dele e de Bolsonaro.
Incertezas não aconselham um aumento de juros logo – Valor Econômico /Opinião
O
cenário externo benigno permite ao BC ganhar tempo até que a realidade afaste
incertezas
O
Banco Central retirou a orientação de que não elevaria a taxa de juros enquanto
não houvesse mudança para pior na instância fiscal e as expectativas de
inflação não encostassem na meta. Negativos, os juros poderão subir porque a
inflação se mostrou mais persistente do que esperava o BC e, o que é mais
relevante, “as diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se em níveis
acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação”. Qual
será o timing e a intensidade do ciclo de alta é uma aposta em aberto. A
fragilidade da economia desaconselha altas intensas e rápidas.
Embora
a política fiscal não tenha sofrido qualquer alteração, as chances de que isto
ocorra estão aumentando, o que desequilibra o balanço de riscos da inflação.
Mas a possibilidade de instituição de novo auxílio emergencial, discutida pelos
dois candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro para ocupar o comando
da Câmara e do Senado - Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) - difere
de outras tentativas de furar o teto de gastos. Ela decorre de um ambiente de
deterioração das perspectivas sanitárias e de crescimento, emprego e renda e
estão sob o signo do provisório.
O
Ministério da Economia não vê necessidade de novo auxílio e que o impulso de
recuperação da economia normalizará a situação por si só. Agiu da mesma forma
no início da pandemia, para em seguida deslanchar série enorme de estímulos
fiscais e monetários. Para isso foram usados instrumentos que contornam o teto
de gastos (orçamento de guerra e a decretação de calamidade pública), mas não o
extingue.
É
um desafio para o BC, para quem, segundo o comunicado, “prospectivamente, a
incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual,
sobretudo para o primeiro trimestre do ano”. Com a perda de fôlego da
recuperação já no fim do ano passado e possibilidade de retração do PIB nos
primeiros três meses do ano, reforçada pelo atraso na vacinação, elevar os
juros logo pode se revelar uma decisão prematura. Esse é o principal alerta que
soa entre as principais autoridades monetárias do mundo, o Fed americano e o
Banco Central Europeu, assim como no staff do Fundo Monetário Internacional.
Analistas
ligados ao mercado financeiro estimam que a Selic possa subir para 3% ou 4,5%
até dezembro. Como a situação econômica é movediça, podem estar errados tanto
agora como quando apostavam que a inflação de 2020 ficaria abaixo de 2% -
mudaram de opinião em um par de meses. Simplesmente dobrar a taxa de juros com
a economia em convalescência - a uma boa distância do nível medíocre de antes
da pandemia - pode abortar a recuperação.
A
alta de preços foi potencializada pelo comportamento do dólar, que passou a se
valorizar mesmo com a mudança favorável ao Brasil nas relações de troca. A
origem desse comportamento é controversa: isso se deve ao fato de os juros
terem caído demais ou aos riscos fiscais muito altos? No primeiro caso, é
difícil sustentar que juro ligeiramente maior auxiliaria a recuperação da
economia ou inverteria muito a trajetória do câmbio - que não está na mira do
Banco Central. No segundo caso, elevar os juros só pioraria o problema fiscal.
A
pandemia destruiu oferta e demanda ao mesmo tempo. Um dos resultados é que o
consumo foi deslocado para bens de baixa elasticidade de renda, caso típico dos
alimentos, que puxam o IPCA para o alto enquanto a capacidade de produção não
foi recomposta. A elevação das commodities, com um dólar valorizado, propagou a
pressão de preços a outros setores. O BC tem o dever de agir para impedir os
efeitos secundários destes choques e o alerta dos núcleos, que se
desimcompatibilizaram com as metas, é um dos mais relevantes. Se, no entanto,
como aposta o BC, as altas são temporárias, não há motivo para açodamento,
ainda menos quando a economia se retrai. E, se necessário agir, o movimento tem
de ser gradual, tentativo.
Pelas projeções do boletim Focus, o PIB crescerá 3,45% em 2021 e ainda estará quase um ponto percentual abaixo do de 2020. É certo que o BC está de olho em 2022, mas não há nenhuma aceleração do crescimento que justifique um aperto significativo, e sim o contrário - obstáculos à expansão, como o repique da covid-19 e o aumento do desemprego. O cenário externo benigno, ademais, permite ao BC ganhar tempo até que a realidade afaste parte das incertezas.
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