O
consensualismo que nos guia é o airbag de nossos entreveros
O momento e as circunstâncias podem levar muitos a pensar que a nossa democracia talvez não resista aos permanentes desafios que a testam. Desde a redemocratização, em 1986, foram situações-limite em sequência: a Constituinte e seus embates; a eleição e o impeachment de Fernando Collor; o Plano Real e as reformas da era FHC; a eleição de Lula; o mensalão; o impeachment de Dilma Rousseff; a Operação Lava-Jato; a vitória de Jair Bolsonaro; e, por último, a pandemia de Covid-19. Apesar de não faltarem crises nem desafios, a democracia resiste como opção e alternativa iluminista e civilizatória para a construção do país.
Essas
situações-limite revelam disfunções estruturais óbvias. Nossos desejos de
cidadania não cabem nas contas públicas. Nossos direitos constitucionais não
são exercidos na plenitude. Mas a construção da democracia mostra a vocação de
nossas instituições para buscar o equilíbrio nos embates políticos. Embora
dilua o impacto das mudanças, o consensualismo é o airbag de nossos entreveros
institucionais.
O Brasil foi forjado no colonialismo, no patrimonialismo, no escravagismo, no paternalismo, no voluntarismo, no personalismo e, mais recentemente, no burocratismo e no corporativismo. Todos esses “ismos” somam-se a uma estrutura patriarcal, autoritária e intervencionista. Sem uma vocação democrática, poderíamos ser algo politicamente parecido com a Rússia ou a China, mas com a desorganização típica dos latinos.
“O
Brasil de hoje traz cidadãos mais apegados à ordem institucional do que aos
arroubos voluntaristas”
A
herança que pesa sobre nossa sociedade poderia nos levar a conflitos terminais
que destruiriam a nação e o projeto de país. E o consensualismo foi o caminho
encontrado para minimizar os choques decorrentes das lutas pela conquista,
retirada e manutenção de privilégios. E onde se abriga o consensualismo? Nas
instituições, como o Judiciário e o Legislativo, e no processo político com a
participação das forças da sociedade.
Como
o consensualismo se expressa? Por meio do reformismo de baixo impacto, que
demora a ser digerido pelo sistema político. Por isso as reformas tardam e/ou
ocorrem em fatias — precisam ser maturadas e arbitradas. O consensualismo, ao
impor um processo de baixo impacto, mitigou o personalismo e o voluntarismo, e
o efeito colateral benéfico foi a contenção do autoritarismo. Mesmo sendo uma
democracia disfuncional, o Brasil de hoje traz cidadãos mais apegados à ordem
institucional do que aos arroubos voluntaristas. O barulho de minorias radicais
pode mascarar a vocação à tolerância. No entanto, as instituições contam com
uma proteção social a partir da certeza de que pode ser ruim com elas, mas
seria pior sem elas.
O
estado de nossa democracia é alvo de questionamentos recorrentes de
investidores. Nossos vizinhos, em especial Argentina e Venezuela, ostentam a
degradação permanente de suas instituições, e os investidores temem o mesmo
aqui. Respondo com confiança que, mesmo com desequilíbrios, nossa democracia é
forte para assegurar o estado de direito. E que a maior ameaça ao país é a
brutal incompetência de setores da administração pública, conforme vemos no
tratamento da Covid-19. Mas, pelo fato de termos instituições fortes, é
provável que essa incompetência tenha desdobramentos jurídicos e políticos, o
que indicará, justamente, que a nossa democracia é mais forte do que parece.
Publicado em VEJA de 27 de janeiro de 2021, edição nº 2722
Um comentário:
Ponto de vista interessante . Acredito que o mesmo conceito pode ser aplicado a forma com que o Regime Militar teve no Brasil , sem o tipo acoes que caracterizaram os regimes Argentino e Chileno , com violacoes massivas dos direitos humanos e uma guerra contra a sociedade .
Nao estou minimizando a violacao dos direitos humanos no Brasil - que foi tragica , somente colocando em perspectiva comparativa .
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