A
tragédia do País está exposta também no Orçamento da União - tardio, ficcional
e desconectado do momento. O imbróglio é tamanho que não será possível
corrigi-lo a contento. Buscam-se formas para torná-lo exequível e evitar crime
de responsabilidade, mas o problema é bem maior.
Todos
saíram chamuscados da confusão: Executivo e Congresso. Foi mais um passo na
corrosão da credibilidade da gestão fiscal e revelou uma classe política, nos
dois poderes, alheia à natureza da crise de saúde, apesar dos discursos de
compromisso com a sociedade.
Prevaleceu
o velho clientelismo, que cresce com o enfraquecimnto do governo. As Forças
Armadas, que concentram boa parte do recurso para investimento, também ficaram
mal na foto.
O
problema começa lá atrás – a administração federal não se preparou para 2021.
Mesmo em meio a tantas incertezas, assumiu que a pandemia respeitaria o
calendário gregoriano e acabaria em 2020.
O
governo esgotou rapidamente a munição com gastos expressivos no ano passado,
ignorando a chance concreta de a crise ser longa, na saúde e na economia.
Em que pese o ineditismo da situação, que torna alguns erros compreensíveis, é inegável a falta de estratégia e planejamento estatal. E não há qualquer arrumação a caminho, a julgar pelo recém-criado Comitê da Covid-19.
Os
riscos, por outro lado, permanecem elevados. A experiência mundial sugere que a
volta à normalidade não virá tão cedo, mesmo em nações ricas. As mais pobres
talvez só atinjam a imunidade de rebanho por vacinação em 2023.
No
Brasil, é bastante improvável que ela ocorra ainda em 2021, e o governo não
está preparado para as demandas por recursos públicos.
Para
muitos, bastaria decretar o estado de calamidade pública ou simplesmente
solicitar a liberação de créditos extraordinários fora da regra do teto de
gastos – certamente o centrão não se oporia. Não é bem assim. Depois de tantos
excessos, a questão não se resume mais a haver ou não espaço legal para gastar
mais.
Envolve
principalmente as consequências econômicas, sobre a inflação e os juros, de
elevar as despesas sem medidas compensatórias robustas, por meio de aprovação
de reformas fiscais estruturais.
É
comum o argumento de que não há clima para reformas estruturais, como se tratar
da pandemia e permitir que os gastos extras caibam minimamente no Orçamento
fossem excludentes. Foi com esse espírito que a PEC Emergencial saiu tão
modesta, praticamente preservando a folha do funcionalismo, que deveria ser
chamado a contribuir.
As
crises deveriam ser oportunidades para promover uma alocação mais justa a
racional dos recursos públicos, mas estamos a perder tempo desde o último
semestre. Seria, sim, o momento de avançar com reformas para a contenção de
gastos obrigatórios, mesmo com impacto modesto no curto prazo. O sinal
ajudaria.
As
emendas parlamentares associadas a obras públicas também estão fora de lugar,
especialmente considerando que, em boa medida, são projetos sem governança
suficiente para garantir projetos com bom retorno social, como apontou Cecilia
Machado na Folha.
O
momento pede ações voltadas a saúde e condições sanitárias, transferência de
renda aos vulneráveis, apoio seletivo a empresas sem acesso a crédito,
treinamento da mão de obra para as novas tecnologias e redução do atraso na
educação.
É
também necessário que as políticas públicas sejam bem desenhadas, para garantir
a devida focalização em quem mais precisa e onde há maior retorno à sociedade
em termos de geração de empregos. Não se trata de socorrer a tudo e a todos.
O
Orçamento precisa refletir essas prioridades. Os políticos, mesmo zelosos de
seus compromissos com eleitores, precisam ampliar horizontes. As pessoas
precisam de cuidado, socorro financeiro e perspectiva, e não de obras públicas
eleitoreiras que não refletem o melhor uso de recursos públicos. O receituário
do passado já não servia antes e, neste momento, menos ainda.
Diante de tantos erros na gestão da crise, a margem de manobra do governo está bem mais estreita agora do que em 2020. Aumentou o conflito (“trade-off”) entre, de um lado, salvar vidas e socorrer vulneráveis e, de outro, evitar mais excessos fiscais que comprometem o ambiente macroeconômico. O País está em mais uma armadilha que tira o sono do presidente do Banco Central e de muitos outros também.
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