O
próximo governo deverá ser austero. A economia e o povo não suportam mais
impostos
O
poder é inebriante, envolvente, afrodisíaco. O imperador dom Pedro I revelou
desapego ao poder. Preferiu abdicar e entregar o trono ao filho com 5 anos de
idade. Voltou a Portugal, para não enfrentar manifestações de rebeldia. Dom
Pedro II adotou atitude semelhante. Diante da quartelada comandada pelo
marechal Deodoro da Fonseca, embarcou com a família e alguns amigos para a
França, onde faleceu, pobre, em 5 de dezembro de 1891, cercado de admiração,
carinho e respeito.
Na Primeira República, exemplo clássico de apego ao poder foi deixado por Getúlio Vargas. Investido na chefia do governo provisório pela Revolução de 1930, de imediato deixou claro que pretendia ficar. No Diário iniciado em 3 de outubro de 1930, data da deflagração do movimento armado, escreveu ao anoitecer do dia 25: “Osvaldo (Aranha) telegrafa-me, propondo assumir o governo para entregar-me constitucionalmente a 15 de novembro (data do encerramento do mandato do presidente Washington Luís). Respondo-lhe que as medidas excepcionais que precisam ser tomadas não comportam um governo constitucional, devendo essas medidas estender-se além de 15 de novembro” (vol. 1, Ed. Siciliano-FGV, RJ, 1995, pág. 17).
Deposto
em 20 de outubro de 1945 pelo general Eurico Gaspar Dutra, a ambição de poder
exigiu que se candidatasse nas eleições presidenciais de 1950. Com 67 anos,
idade avançada para a época, Getúlio Vargas se entregou a campanha estafante. Esteve
em 20 Estados e no Rio de Janeiro, à época capital da República. Fez comício em
54 cidades. Ao pressentir a vitória do visceral inimigo, o jornalista Carlos
Lacerda escreveu proféticas palavras na Tribuna da Imprensa: “O senhor Getúlio
Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser
eleito. Eleito, não deve ser empossado. Empossado, deveremos recorrer à
revolução para impedi-lo de governar” (Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro - DHBB (Ed.
FGV-Cpedoc, RJ, 2.ª edição, 2001, vol. V, pág. 5.952).
Às
eleições de 2022 pretendem concorrer dois candidatos obcecados pelo poder: Jair
Bolsonaro, à procura da reeleição, e Luiz Inácio Lula da Silva, no esforço de
reconquistá-lo. Cometeu-se irreparável erro no primeiro mandato do presidente
Fernando Henrique Cardoso com a promulgação da Emenda Constitucional nº. 16, de
5/6/1997, quando foi violada salutar tradição republicana da unicidade do
mandato. “O cargo revela o homem”, disse o sábio grego Bias de Priene. Em Jair
Bolsonaro o propósito da reeleição de imediato foi revelado. Com ajuda de
áulicos palacianos, a duplicação do mandato se converteu em programa e razão de
ser do governo. No caso de Lula, eleger-se é essencial para quem não admite
voltar à obscuridade em São Bernardo do Campo. A ruína do País e o sofrimento
do povo são indiferentes para eles.
Jair
Bolsonaro é relativamente jovem. Tem contra si, todavia, o temperamento
agressivo. Dois anos e três meses de governo revelam ser ele vítima de
descontrole emocional e de irrefreável impetuosidade. Comporta-se como
adolescente briguento e mal-educado. A minha vontade é lei, imagina o capitão
paraquedista. Lula é caso raro de dirigente sindical bem-sucedido na arena
política. Dizia ser capaz de eleger um poste. Elegeu e reelegeu Dilma Rousseff,
pagando caro pela audácia.
Qualquer
que seja o vencedor em 2022, encontrará o País devastado. Acredita-se que até
lá terá refluído a pandemia, à força da vacinação massiva. A tarefa da
reconstrução exigirá, contudo, habilidades além do alcance de Lula, pela idade,
e de Bolsonaro, por falta de capacidade.
O
primeiro passo consistirá no restabelecimento da unidade nacional, com a
eliminação da bipolaridade bolsonaristas versus lulistas. Virá a seguir o
esforço de recuperação da credibilidade internacional, destruída pelo ministro
Ernesto Araújo. Dela dependerão investimentos destinados à retomada do
crescimento, sobretudo industrial, e a criação de milhões de empregos. Uma das
prioridades será a defesa da Amazônia e do meio ambiente, abandonados por
Ricardo Salles. O próximo governo deverá ser austero nos hábitos e nos gastos.
O Tesouro Nacional está exaurido. A economia e o povo não suportam novos
impostos. Seria ótimo que a Constituição da República fosse deixada
temporariamente em paz, até surgir a oportunidade de convocação de uma
Assembleia Nacional Constituinte.
O
ideal consiste na criação de terceira força, equidistante dos extremismos de
esquerda e de direita. O excesso de partidos e a carência de lideranças
nacionais reconhecidas serão, entretanto, dois empecilhos. Entre os
pré-candidatos, lançados por si mesmos, todos estão desgastados ou
envelhecidos. O eleitorado aguarda por alguém moderno, distante da velha
política, comprometido com a devolução do governo à sociedade civil.
As
experiências feitas com militares no poder deixam claro que devem retornar aos
quartéis, encarregados da defesa da Pátria e da garantia dos Poderes
constitucionais, como determina a Constituição. Só isso. Nada mais.
*Advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
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