O Globo
Trata-se de um instrumento indecente de
compra de apoio político no Congresso
Passadas as eleições, o Supremo Tribunal
Federal (STF) acertou ao pautar um dos mais danosos legados institucionais do
bolsonarismo: as emendas de relator, também conhecidas como “orçamento
secreto”.
O orçamento secreto é um instrumento
indecente de compra de apoio político no Congresso. Por meio dele,
parlamentares que apoiam o governo ganham o direito de destinar verbas do
orçamento federal para ações em suas bases eleitorais, sem qualquer
transparência.
O orçamento secreto foi criado em 2020 para contornar um problema criado pelo próprio Bolsonaro, que se elegeu criticando os instrumentos tradicionais de formação de maiorias parlamentares. Desde a volta da democracia, o governo eleito monta uma coalizão majoritária obtendo apoio de partidos que passam a integrar o governo, ocupando postos em ministérios, secretarias e autarquias. Essa composição garante um número suficiente de votos no Congresso para aprovar projetos de interesse do Executivo.
Quando se elegeu, Bolsonaro disse que faria
indicações ministeriais com base em critérios “estritamente técnicos”, sem
convidar políticos de partidos aliados para compor o governo. Isso nunca foi
completamente verdadeiro, já que desde o começo incorporou ao governo
políticos, mas a falta de empenho em construir uma maioria fez com que seu
apoio no Congresso nunca fosse sólido. As emendas de relator foram o
instrumento pelo qual Bolsonaro conseguiu montar sua base de apoio.
Antes da criação delas, havia as emendas
individuais, por meio das quais cada parlamentar pode destinar recursos a ações
nas suas bases eleitorais. Esse mecanismo é problemático, mas é igualitário,
transparente e razoavelmente regrado — metade dos recursos precisa
necessariamente ser destinada à saúde.
As emendas de relator são um perigoso
adendo às emendas individuais. No orçamento secreto, o relator do orçamento
distribui recursos a parlamentares aliados que votam com o governo, sem que se
publique quem solicitou os recursos. Parlamentares que apoiaram os candidatos
do governo nas eleições para a presidência da Câmara e do Senado ganharam o
direito de destinar mais verbas do orçamento.
As emendas de relator são erradas de tantas
maneiras que é difícil escolher por onde começar.
A priorização de recursos no orçamento
secreto não segue critérios técnicos, mas personalistas. Enquanto uma política
pública precisa de critérios objetivos para que cidades com certos índices
sociais sejam mais beneficiadas por um programa, no orçamento secreto a escolha
não segue indicadores, mas a mera orientação de um político que quer agradar a
sua base eleitoral para tentar se reeleger. Se isso já era um problema com
emendas individuais, que somavam R$ 10 bilhões, agora o problema é muito maior
com as emendas de relator, que somam R$ 16 bilhões —quatro vezes todo o
orçamento do Ministério do Meio Ambiente!
Essa distribuição de recursos não é
igualitária, como nas emendas individuais. Reportagem do jornal O Estado de S.
Paulo mostrou que apenas 4% dos recursos do orçamento secreto identificados
foram destinados a parlamentares da oposição. Mesmo entre os parlamentares que
apoiam o governo, a distribuição não é igualitária. Líderes que mobilizam
grandes bancadas recebem mais recursos. Uma investigação do GLOBO mostrou que o
senador Davi Alcolumbre, que presidia o Senado, destinou sozinho mais de R$ 295
milhões do orçamento secreto, enquanto a maioria dos parlamentares “comuns”
menos de R$ 4 milhões.
Por fim, o principal problema do orçamento
secreto é ser secreto, difícil de fiscalizar. Não sabemos quem trocou apoio
político por verbas e não conseguimos vincular os gastos nas cidades ao
interesse político dos parlamentares. Não é à toa que o emprego de recursos do
orçamento secreto tem sido alvo de operações da Polícia Federal. Há sérias
suspeitas de que recursos para procedimentos médicos são desviados e de que
recursos empregados na compra de tratores foram superfaturados. Além de um
instrumento antiético para comprar apoio, o orçamento secreto parece ser também
um gigantesco esquema de corrupção.
A ministra Rosa Weber é relatora da ação
que pede a inconstitucionalidade das emendas de relator. Na quinta-feira, ela
liberou a ação para ser votada em plenário. O colegiado precisa enfrentar o
tema com coragem e pôr fim a essa prática espúria.
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Vamos ver...
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