Chacina de Aracruz exige maior atenção das autoridades
O Globo
É fundamental deter escalada de morticínios
em escolas antes que se tornem corriqueiros como nos EUA
Na sexta-feira da semana passada, pela
manhã, cenas de barbárie chocaram o país. Em Aracruz, Espírito Santo, um jovem
de 16 anos usando roupas camufladas, máscara, colete à prova de balas, um
revólver e uma pistola semiautomática invadiu duas escolas, uma pública e outra
privada, atirando em quem encontrou pela frente. Transformou o município de
pouco mais de 100 mil habitantes em cenário de filme de horror. A carnificina deixou
quatro mortos, entre eles uma menina de 12 anos, e dez feridos. Cinco vítimas,
duas delas crianças, estavam ontem internadas ainda.
O assassino foi localizado horas depois
numa casa de praia da família e, segundo a polícia, confessou o crime com surpreendente
tranquilidade. Por ser menor, foi levado ao Instituto de Atendimento
Socioeducativo do Espírito Santo em Cariacica. Responderá por ato infracional
análogo a quatro assassinatos qualificados (por motivo fútil) e dez tentativas
de homicídio.
O caso, repleto de lacunas, está sob investigação. Até agora não está claro o que motivou o massacre. A pistola, o revólver e o carro usados no crime pertencem ao pai do rapaz, tenente da Polícia Militar do Espírito Santo. Não se sabe como o adolescente teve acesso às armas e aprendeu a manuseá-las. De acordo com as investigações, ele planejou o atentado por dois anos. A polícia apura se agiu sozinho e se tem ligação com grupos extremistas. Em depoimento, disse que simpatizava com ideias nazistas — na roupa usada nos ataques às escolas, havia uma suástica.
O horror de Aracruz é um caso raro, mas não
único. Até hoje não cicatrizaram as feridas dos massacres de Realengo em 2011 (12
mortos) e Suzano em 2019 (dez mortos). Em outubro, um adolescente de 15 anos,
aluno de uma escola pública de Sobral, no Ceará, atirou contra três colegas de
turma, matando um deles e ferindo os outros dois. À polícia, o rapaz, que usou
arma registrada em nome de um amador, alegou sofrer bullying. Dois meses antes,
um ex-aluno invadira outra escola em Vitória com facas, flechas e coquetéis
molotov, ameaçando matar alunos, professores e funcionários. O jovem de 18 anos
foi preso pela polícia antes de consumar a tragédia.
Embora esses casos sigam padrões
conhecidos, ultrapassam em muito a violência cotidiana nas escolas brasileiras.
Misturam fatores complexos como bullying, ação de grupos extremistas,
facilitação do acesso (e culto) a armas e munições, disseminação de ideias
nazistas e racistas na internet ou desatenção com a saúde mental dos alunos. As
incertezas que os cercam, porém, não são pretexto para a inação. É fundamental
deter a escalada das atrocidades antes que se repita aqui a infâmia que
assombra os Estados Unidos, onde massacres em escolas se tornaram
desgraçadamente corriqueiros.
Os serviços de inteligência das polícias
precisam se adaptar aos tempos atuais e ser mais ágeis no meio digital para
descobrir atos bárbaros no nascedouro. Por dois anos, ninguém percebeu a
tragédia que se desenhava em Aracruz. O debate não deveria ficar restrito a
estados e municípios. O governo federal precisa ter uma política para prevenir
esse tipo de monstruosidade e cuidar da saúde mental de estudantes. Talvez os
atores mais importantes sejam as famílias e as escolas. É fundamental
identificar logo o problema e oferecer assistência especializada, antes que
adolescentes aparentemente insuspeitos se tornem assassinos bárbaros.
Tragédia em rodovia no Paraná precisa
servir de aprendizado
O Globo
Mesmo tendo sido interditada, estrada foi
liberada sob chuva torrencial antes da catástrofe
Seria prematuro — e leviano — acusar quem
quer que seja pelo deslizamento de terra na BR-376, em Guaratuba, no Paraná,
que deixou pelo menos dois mortos na noite de segunda-feira. Quedas de
barreiras podem ocorrer, especialmente sob chuva torrencial, mesmo em encostas
monitoradas e aparentemente estáveis. A Rio-Santos, que corta a Serra do Mar
numa região conhecida pelos altos índices pluviométricos, vive às voltas com
desmoronamentos difíceis de prever
Mas há questões que é preciso analisar. Por
volta das 15h30, houve um primeiro deslizamento, que interditou parte da
rodovia. Claro que ninguém poderia prever que a encosta desabaria por inteiro
quatro horas depois, cobrindo 200 metros de pista e atingindo seis caminhões e
15 automóveis. Da mesma forma que ninguém poderia prever que isso não
aconteceria, pois as más condições meteorológicas prosseguiam. Apesar disso, os
veículos continuaram trafegando pelo trecho acidentado.
Mesmo em situações críticas, como chuvas,
ventos fortes ou incêndios florestais, motoristas não têm como saber se uma
estrada dispõe de condições seguras de tráfego. Essa tarefa não cabe a eles.
Obviamente, confiam nas autoridades que administram as vias e nas que as
fiscalizam. Ainda que se possam fazer todas as ressalvas num acidente sob
investigação, é inaceitável que cidadãos peguem uma estrada liberada ao
trânsito e acabem soterrados por toneladas de terra.
Mais importante que buscar culpados pela
tragédia é evitar que episódios semelhantes se repitam. Levando em conta os
efeitos das mudanças climáticas, que tornaram mais frequentes tempestades
inclementes, a possibilidade de novos deslizamentos em qualquer estrada só
tende a crescer, por mais que se monitorem os pontos vulneráveis.
Tragédias costumam deixar lições. As chuvas
que devastaram o Rio em 1966 originaram um trabalho para estabilizar as
encostas do município e reduzir os riscos de deslizamentos. O dilúvio que matou
quase mil moradores na Serra Fluminense em 2011 — a maior catástrofe do tipo
registrada no Brasil — resultou em ações de redução de danos, como a instalação
de sirenes nas áreas de maior risco. Investigar o que aconteceu na rodovia do
Paraná é essencial. Tanto quanto saber por que a estrada não foi fechada depois
do primeiro deslizamento, ainda à luz do dia. Havia um sinal de que algo não
estava bem, desprezado pelas autoridades.
Ontem os bombeiros encerraram os trabalhos de buscas por desaparecidos e disseram não ter encontrado mais vítimas sob a lama. O estrago está consumado. O que se pode fazer agora é criar planos de contingência para fechar estradas em situações semelhantes, pelo menos até que os riscos estejam afastados. Os transtornos se tornarão inevitáveis, mas vidas serão poupadas.
Copa viva
Folha de S. Paulo
Mais que excelência esportiva, surpresas e
dramas mantêm o apelo do Mundial
Chegou ao fim a fase de grupos da Copa do
Mundo do Qatar, com novidades e surpresas que mantêm a alta voltagem de
interesse e controvérsias em torno dos Mundiais de seleções nacionais de
futebol.
Talvez a primeira constatação, nesta etapa
inicial, seja a de que a concentração dos melhores jogadores do mundo em
equipes da Europa —e o quase monopólio do velho continente em competições de
altíssimo nível— não diminuiu o interesse pela Copa.
Embora não seja mais o ansiado momento de
encontro de craques dos diversos cantos do planeta, já que hoje praticamente
todos, consagrados ou emergentes, atuam em ligas europeias, a disputa de
seleções a cada quatro anos continua a empolgar e a atrair atenções.
As próprias estrelas do espetáculo
demonstram de forma inequívoca a importância que dão ao torneio de curta
duração. Jogadores consagrados, atuantes em clubes milionários, reagem com
emoção visível a sucessos, malogros e lesões no transcorrer das partidas.
Dentre as
novidades, a que mais tem provocado discussões é a nova tecnologia do VAR,
a arbitragem eletrônica que se tornou vedete do esporte nos últimos anos.
Criado para dirimir dúvidas e aplacar polêmicas, o VAR e suas checagens de
imagens embasam decisões objetivas, mas naturalmente não eliminam a necessidade
de interpretações por parte dos árbitros.
Uma das peculiaridades dessa Copa, ao menos
em seu início, tem sido a capacidade de algumas equipes tidas como coadjuvantes
assumirem protagonismo contra seleções tradicionais, em especial da Europa.
No caso mais espantoso, o Japão venceu
Espanha e Alemanha, eliminando a segunda, quatro vezes campeã da competição.
Como a seleção asiática, o Marrocos também
terminou em primeiro no seu grupo —no qual a Bélgica, que eliminou o Brasil em
2018, não conseguiu se classificar.
Argentina, França e Portugal, listadas
entre as favoritas, sofreram derrotas inesperadas para Arábia Saudita, Tunísia
e Coreia do Sul, respectivamente. O mesmo
aconteceu com a seleção brasileira diante de Camarões, nesta sexta-feira (2).
O nível máximo de excelência do esporte
pertence hoje aos certames nacionais e continentais de clubes da Europa, mas a
emoção de partidas decisivas e imprevisíveis, além da paixão nacionalista,
mantém o apelo da Copa.
O futebol, como nenhum outro esporte,
combina competição, espetáculo, negócios, política e globalização —e o Mundial
de seleções nacionais continua parte importante dessa engrenagem.
Uma frágil esperança
Folha de S. Paulo
Sinalizações entre EUA e Rússia sugerem
caminho para o fim da Guerra da Ucrânia
Após nove meses, a Guerra da Ucrânia segue
sem um fim claro à vista, alimentando uma tragédia humanitária que não se via
em conflitos entre Estados nacionais da Europa desde a Segunda Guerra, em 1945.
Não só isso: a economia global sofre os
efeitos do cerco imposto a Vladimir Putin como punição por sua agressão ao
vizinho, na forma de sanções e embargos.
A inflação de energia e de alimentos bate
recordes, um cenário que é agravado pelas dificuldades enfrentadas na China com
a ilusória política de Covid zero de Xi Jinping.
Em meio à escuridão do cenário, que emula
os desumanos apagões que Putin impôs a boa parte da já invernal Ucrânia,
surgiram algumas nesgas de luminosidade.
Tudo começou com declarações de membros do
establishment americano, como o chefe militar Mark Milley, sugerindo que Kiev
deveria abandonar sua intransigência e aceitar negociar com Moscou.
A Rússia, por sua vez, insinuou seus termos
ao recuar tropas em um dos pontos ocupados, sugerindo uma fronteira de
cessar-fogo.
A reação ucraniana foi a de dizer que
lutaria até o fim, mesmo com "uma facada nas costas dos aliados", nas
palavras de um assessor do presidente Volodimir Zelenski.
Buscando manter a fachada, para cada
empurrão em favor de conversas por parte dos EUA, houve um renovado
comprometimento com o apoio militar que permite à Ucrânia seguir em combate.
Só de ajuda militar direta, os EUA já
empenharam quase US$ 20 bilhões neste ano, cinco vezes o orçamento de defesa de
Kiev em 2021.
Os problemas surgem aí. A conta está
ficando salgada, ainda mais com a perda do controle do Partido Democrata do
presidente Joe Biden na Câmara dos Representantes. Se ninguém antevê
republicanos retirando apoio de Kiev, o entusiasmo atual pode mudar.
Além disso, há uma crescente percepção de
que a pressão econômica contra Moscou, que pune duramente o regime, não é
exatamente uma bala de prata. O governante russo segue firme e o país resiste
melhor do que o esperado.
Somada à noção de que o teto de preços ao
petróleo russo, proposto pelo Ocidente, tende a não levar a nada além de mais
inflação para o resto do mundo, chegou-se ao
momento em que o próprio Biden sugeriu negociar.
Ele o fez de forma condicional, claro,
exigindo a retirada russa dos cerca de 17% de território ucraniano. O Kremlin
negou tal demanda, mas Putin diz que aceita conversar.
Trata-se de um avanço, apesar dos entraves, e talvez motivo para comedida esperança.
Mais política e menos fisiologismo
O Estado de S. Paulo
O Estadão informa que a Proposta
de Emenda Constitucional (PEC) 32/2022, a PEC da Transição, virou moeda de
troca para barganhas entre o Congresso e a equipe do presidente eleito Luiz
Inácio Lula da Silva. Lideranças parlamentares estariam condicionando a
aprovação do texto, entre outros pontos, à ocupação de Ministérios e vagas
regionais e ao apoio à reeleição de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco
(PSD-MG) ao comando da Câmara e do Senado, respectivamente.
A rigor, essa notícia não causa nenhuma
surpresa. A política em Brasília – e em todos os outros lugares – sempre foi
assim. Para aprovar determinada matéria, o governo tem de ceder poder a outros
partidos e grupos políticos. Segundo apurou o jornal, MDB, União Brasil e PSD
pleiteiam com a equipe de Lula pelo menos duas pastas, cada um, no novo
governo. Ao todo, os três partidos têm hoje 30 senadores, de um total de 81. Ou
seja, se o PT deseja aprovar a PEC da Transição, não pode prescindir do apoio
das três legendas.
Perante esse cenário, talvez alguém possa
se lamentar da política nacional. Para apoiar um projeto de lei ou uma PEC, em
vez de analisar o conteúdo específico do texto, um partido exige cargos no
governo. Ora, isso não é necessariamente ruim. Se uma legenda tem muitos
parlamentares eleitos – e, por isso, tem de fato capacidade de barganhar cargos
em troca de apoio no Congresso –, significa que ela tem ampla base eleitoral e
que sua participação no governo é também um modo de que os interesses dessa
parcela da população estejam representados no Executivo.
Pensando nos próximos quatro anos, é muito
bom para o País que o PT tenha de ceder espaço no governo a outros partidos. É
a concretização daquilo que Lula reconheceu, no dia 30 de outubro, após o
anúncio do resultado da eleição presidencial: “Esta não é uma vitória minha,
nem do PT”. Para governar, a legenda petista precisará ceder poder a outros
grupos políticos. Não poderá implementar sozinha suas ideias e propostas pelo
simples fato de que não detém sozinha apoio suficiente no Congresso para isso.
Essa dinâmica negocial entre Executivo e
Legislativo revela que o princípio democrático mais fundamental – todo o poder
emana do povo – está funcionando. Como o PT não tem maioria no Legislativo, ou
seja, como a população não lhe conferiu uma representação majoritária, ele é
obrigado a dialogar com outros partidos, que também representam parcelas
relevantes da população, e ceder-lhes poder, seja na redação final das diversas
propostas legislativas, seja na composição do próprio Executivo, com cargos na
máquina pública.
O grande perigo nessas negociações está em
dois pontos, que merecem atenta vigilância. Em primeiro lugar, a negociação
deve ter por base os interesses das respectivas bases eleitorais dos partidos.
As legendas não estão ali para obter favores para os caciques partidários, e
sim para defender os interesses de seus eleitores. Por isso, é fundamental que
os compromissos relacionados aos acordos sejam públicos e se refiram a pontos
programáticos, conectados de fato com os interesses dos eleitores de cada
partido. Infelizmente, no Brasil, ainda é raro que os apoios partidários venham
precedidos da celebração pública desses compromissos. Mas, precisamente por
isso, eles precisam ser exigidos e cobrados. Deve haver um ônus político
significativo para a legenda que não respeita minimamente o seu eleitorado.
O segundo ponto a demandar especial atenção
diz respeito ao modo como os partidos aliados exercem os cargos obtidos nessas
negociações. Deter um cargo público não dá direito a se apropriar daquela fatia
da máquina pública para interesses particulares. O Estado existe para servir à
coletividade. Eis um dos grandes desafios nacionais, em relação tanto à
eficiência do aparato estatal como à moralidade pública: o exercício
republicano dos cargos públicos.
Diante de todas essas negociações, é
preciso reconhecer: o País precisa de mais, e não de menos, política. O que se
dispensa, e deve ser combatido, é o fisiologismo.
O déficit que Bolsonaro criou
O Estado de S. Paulo
Limitação da tributação sobre energia e
combustíveis imposta pelo presidente para baixar preços e melhorar suas chances
eleitorais comprometeu o equilíbrio financeiro dos Estados
O surgimento de déficit primário nas
finanças estaduais em outubro, depois de superávits mensais consecutivos desde
junho de 2020 (com exceção dos meses de dezembro), é a primeira consequência
nas finanças públicas da decisão político-eleitoral do presidente Jair
Bolsonaro de fazer baixar temporariamente o preço da gasolina, da energia
elétrica e das telecomunicações, transferindo os ônus para os governadores. As
contas dos Estados registraram déficit primário de R$ 3,9 bilhões em outubro, o
que significa uma piora de R$ 10,5 bilhões em relação ao resultado de um ano
antes, segundo as estatísticas
fiscais do Banco Central (BC).
A conta tende a piorar, daí o caráter de
urgência com que os futuros governadores tratam a reunião prevista com o
presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. No encontro, certamente dirão que
os Estados precisam de alguma compensação financeira da União para conter a
sangria financeira que vêm sofrendo. Às voltas com problemas fiscais mais
sérios, o futuro governo federal terá dificuldades para atender à demanda dos
governadores. Nessa questão, pelo menos, não será um bom começo de gestão para
o futuro presidente nem para os futuros governadores.
A limitação da incidência do ICMS, o
principal tributo estadual, foi o meio que Bolsonaro encontrou para conter a
alta das tarifas de energia e do preço dos derivados de petróleo, que vinha
corroendo sua popularidade no momento em que precisava fortalecer sua campanha
pela reeleição. Era medida de efeito temporário, pois, no caso dos
combustíveis, os preços internos estão condicionados às cotações internacionais
do petróleo, que continuam a oscilar.
O custo dessa aventura sobre as finanças
estaduais começa a ser conhecido um mês depois de Bolsonaro ter perdido a
disputa. Pelo peso que a arrecadação do ICMS sobre esses itens tem nas finanças
estaduais, não parece haver dúvidas que os déficits se repetirão nos meses
seguintes.
Ao avaliar a deterioração de R$ 10,5
bilhões nas finanças estaduais em 12 meses (o resultado passou de superávit de
R$ 6,6 bilhões para déficit de R$ 3,9 bilhões), o chefe do Departamento de
Estatística do Banco Central, Fernando Rocha, destacou que “um aspecto
importante é a redução de receitas, dado que a variação real do ICMS caiu 12,1%
quando se compara com outubro de 2021″. Outros estudos chegaram a conclusões
semelhantes à apresentada pelo BC. A perda da arrecadação em um ano supera 10%,
o que tem impacto nada desprezível nas contas estaduais.
Cria-se, agora, uma situação bem diferente
da que vinha sendo observada desde o auge da pandemia, em junho de 2020.
Naquele momento, transferências extraordinárias da União para que os governos
estaduais pudessem enfrentar a crise da covid-19 contribuíram para a geração de
superávits primários (que excluem os gastos com a dívida) dos Estados. A
retomada das atividades econômicas, com a redução das restrições à circulação
das pessoas, e o impulso propiciado pela inflação mantiveram as contas
estaduais positivas. Os resultados negativos nos meses de dezembro eram
sazonais, devidos ao pagamento do 13.º salário do funcionalismo.
Em junho deste ano, já no período de
campanha eleitoral, o presidente da República sancionou a lei que impôs o teto
de 18% para a alíquota do ICMS incidente sobre combustíveis, energia elétrica e
serviços de telecomunicação. Esses itens são os que mais pesam na arrecadação
dos Estados. Daí a arrecadação desse tributo ter caído 6,5% em valores reais no
terceiro trimestre deste ano na comparação com igual período de 2021. É efeito
que se repetirá daqui para a frente.
Alguns cálculos dos secretários estaduais
de Fazenda apontam perda de R$ 125 bilhões de receita em um ano. Desaceleração
do crescimento e perda de dinamismo das exportações de commodities são outros
fatores que imporão acertos financeiros aos Estados, que estão exigindo
compensações da União. Não será um ajuste fácil nem será fácil encontrar uma
solução que agrade tanto ao governo federal como aos estaduais.
Reindustrializar, tarefa urgente
O Estado de S. Paulo
Mesmo com crescimento em outubro, a
produção industrial segue emperrada; reindustrialização deve ser prioridade
Puxada pelo
setor de alimentos e pela metalurgia, a indústria reagiu em outubro e produziu
0,3% mais que em setembro, mas sem compensar a perda de 1,3%
acumulada nos dois meses anteriores. Muito contido, o crescimento só foi
observado em 7 dos 26 segmentos industriais cobertos pela pesquisa mensal do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O volume produzido foi
1,7% maior que o de outubro do ano passado, mas o resultado do ano foi 0,8%
inferior ao de janeiro-outubro de 2021 e o acumulado em 12 meses foi 1,4% menor
que o do período anterior. Esse balanço, primeiro resultado setorial de outubro
publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, é mais um
indicativo da fraqueza da indústria, há muitos anos o setor mais débil da
economia brasileira.
A atividade industrial nem sequer se
recuperou totalmente do tombo causado pela pandemia de covid-19. Em outubro, a
produção ficou 2,1% abaixo do nível pré-pandêmico, registrado em fevereiro de
2020. Além disso, ainda foi 18,4% inferior ao recorde alcançado em maio de
2011, no começo do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Naquele
momento, a economia ainda mantinha algum vigor. Sinais de crise começaram a
surgir no ano seguinte, prenunciando a recessão de 2015-2016 e a longa fase de
emperramento da indústria.
A indústria – principalmente a de
transformação – foi o setor com pior desempenho no período iniciado no último
governo petista. Depois do desastre sanitário de 2020, quando se registraram os
primeiros casos de covid, houve forte recuperação no setor de serviços e em
alguns segmentos industriais, com destaque para a construção imobiliária. Mas a
indústria de transformação pouco se moveu. A agropecuária se manteve como o
setor mais sólido e mais competitivo, com recuos ocasionais causados principalmente
por problemas como escassez ou excesso de chuvas.
Em outubro, o segmento de bens de capital,
isto é, de máquinas, equipamentos e outros bens de produção, teve o pior
desempenho, com recuo mensal de 4,1% Em 12 meses, no entanto, foi o único dos
grandes grupos de atividades a registrar resultado positivo, com avanço de
0,2%. Nesse período, houve perdas de 1,1% em bens intermediários, de 2,6% em
bens de consumo e de 1,4% na indústria geral. O crescimento obtido em outubro
nas áreas de bens intermediários (+0,7%), de bens de consumo (+0,3%) e na
indústria geral (+0,3%) foi insuficiente para alterar o quadro geral de
fraqueza do setor.
Os números de outubro apenas confirmam a estagnação e até o retrocesso da atividade industrial ou, mais precisamente, da indústria de transformação. Transformação é o nome atribuído tecnicamente à produção da maior parte dos bens industriais, como automóveis, caminhões, ônibus, bicicletas, sapatos, vestuário, canetas, papelaria, máquinas, móveis, fogões, geladeiras – enfim, daquele enorme conjunto de bens necessários ao nosso dia a dia e ao funcionamento da sociedade. O novo governo terá de incluir no topo de suas prioridades a revitalização da indústria. Sem isso, fracassará.
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