Valor Econômico
PL do lobby é um grande avanço, mas há espaço
para aperfeiçoamentos
A existência de organizações destinadas ao convencimento de agentes públicos em prol de redações de políticas públicas, leis, atos executivos, licitações e contratos que beneficiem ou protejam seus membros é legítima em um ambiente democrático. Todavia, essas organizações têm demonstrado uma influência excessiva no Brasil, a ponto de obterem redações de leis que pendem em demasia e de forma recorrente contra o bem comum. A manutenção de injustificáveis privilégios para alguns setores da sociedade durante a tramitação da reforma tributária é um exemplo do poder desmedido dessas organizações frente aos interesses da coletividade.
O enorme número de reuniões de representantes
de parcelas privilegiadas da sociedade com agentes públicos em diferentes
órgãos e nos mais variados contextos dificulta o monitoramento dos interesses
envolvidos. Em geral, o detalhamento dessas audiências é reduzido e pouco
transparente, frustrando a oferta de condições isonômicas para grupos mais
amplos, mas menos organizados, e, portanto, dificultando a formulação de
políticas justas.
Isso reforça a necessidade de uma regulação
dessas organizações, com a instituição de uma legislação federal, ainda
inexistente, que discipline o relacionamento com membros do setor público, de
forma a torná-lo transparente e a constranger influências indesejáveis.
Com décadas de atraso, o substitutivo do
Projeto de Lei 1202/2007 sobre a representação de interesse - lobby - foi
aprovado na Câmara no fim de 2022. No momento, o projeto aguarda parecer do seu
relator em uma das comissões do Senado sob o número PL 2914/2022, sendo
improvável que seja votado neste ano.
A proposta trata do lobby por pessoas físicas
ou jurídicas e do relacionamento com membros da administração pública direta
(ministérios, TCU, MPU etc.) e da indireta (sociedades de economia mista,
autarquias, fundações e empresas públicas etc.), detalhando responsabilidades e
eventuais penalidades no caso de infrações administrativas.
A regulamentação só será aplicável no caso de
a atuação profissional de pessoa física ou de organização de lobby,
independentemente de remuneração ou não, ocorrer mais de uma vez com diferentes
agentes públicos em prazo inferior a 15 dias ou com o mesmo agente público em
um tempo menor do que 30 dias. A proposta define algumas exceções à essa
classificação, bem como certas limitações para o seu desempenho, como a vedação
do seu exercício antes de decorridos 12 meses da desocupação de cargo, emprego
ou função pública.
O texto determina, ainda, o registro das
audiências, estabelecendo a divulgação obrigatória dos participantes, assuntos
tratados e documentos discutidos, ressalvados aqueles que envolvam dados
proprietários. A publicação da pauta detalhada das reuniões inibe condutas
pouco éticas e estimula a melhor organização da sociedade para evitar que as
políticas formuladas não prejudiquem a coletividade em benefício de grupos
específicos. Apesar de o PL 2914/2022 ser um grande avanço e o seu relator na
comissão do Senado atribuir baixa probabilidade de modificações relevantes, há
espaço para aperfeiçoamento.
Tenho ressalvas, por exemplo, sobre a
autorização para que, dentro de limites estabelecidos, despesas com agentes
públicos - transporte, hospedagem, alimentação, inscrição em eventos,
distribuição de brindes - possam ser pagas por lobbies em eventos privados.
É bastante questionável a presença de membros
do setor público em encontros no exterior sobre questões domésticas organizados
por empresas brasileiras e quase que exclusivamente com público local - quando
muito, há participantes estrangeiros convidados para atenuar essa crítica.
Esses encontros são quase sempre uma forma de prover turismo de negócios e
oferecer acesso privilegiado do setor privado aos agentes públicos em um
ambiente informal e não institucional. Quando custeados pelo setor privado, a
participação desses agentes pode, em alguns casos, ser confundida como uma
forma indireta de corrupção passiva.
O ideal seria limitar a participação de
representantes do setor público em iniciativas custeadas pelo setor privado, só
permitindo a presença em eventos nas suas cidades de trabalho ou residência -
Estados em alguns casos, desde que não incorra em despesas para o setor privado
e os seus pronunciamentos e comentários sejam integralmente transmitidos ao
vivo sem limitação de acesso. Isso atenuaria o risco de excessiva influência de
grupos específicos e de captura de informação privilegiada.
O PL também poderia exigir que as empresas de
lobby publicassem os seus gastos em eventos com membros do setor público, bem
como as despesas com suas iniciativas em cada temática de interesse. Ademais, o
PL poderia determinar a divulgação por essas empresas de eventuais
contribuições financeiras para campanhas de candidatos a cargos eletivos, bem
como para ações de esclarecimento sobre seus temas de interesse.
Sobre o registro de audiências, o PL poderia
especificar um órgão, por exemplo o TCU, para fazer a consolidação de um banco
de dados organizado por temas e participantes de todas as audiências dos
agentes públicos, visando dar transparência ao balanço de forças na sociedade.
Em outra frente, seria um erro aprovar
emendas que desobriguem organizações representativas de interesses privados de
seguir as regras do PL do lobby. Não faz sentido, por exemplo, a demanda de
organizações patronais e de trabalhadores de não serem sujeitas às limitações
impostas pelo PL, sob a equivocada alegação de que a Constituição permite a
defesa de seus direitos e interesses sem essas restrições.
Em suma, a aprovação do PL 2914/2022 com
alguns aperfeiçoamentos instituiria uma legislação sobre lobby moderna,
democrática e transparente, ao mesmo tempo em que diminuiria a probabilidade de
corrupção, seja ativa ou passiva. A aprovação é benéfica para o país ao
oferecer um mecanismo para a formação de um balanço de forças menos
desequilibrado na sociedade.
*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia
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