O Estado de S. Paulo
Seria importante que a classe política, Lula e a sociedade em geral dedicassem à fragilidade do crescimento econômico ao menos a atenção que deram à discussão da reforma tributária
Venho insistindo que desde a década de 1980 o
nosso Produto Interno Bruto (PIB) passa por um período de estagnação que meu
dicionário define como um em que a economia cresce abaixo do seu potencial. Nas
três décadas anteriores à de 1980, o crescimento médio anual foi de 7,2%
(1950), 6,1% (1960) e 8,8% (1970) e nas quatro seguintes foi de 3,0% (1980),
1,8% (1990), 3,4% (2000) e 1,9% (2010), conforme dados do Ipeadata. Creio que o
leitor concordaria que, com uma boa arrumação da economia, em particular do seu
setor público, o PIB poderia crescer bem mais. O Brasil vem crescendo menos que
muitos países emergentes.
Insisto nessa visão pois ela é pouco percebida pela classe política e pela sociedade em geral. Sem crescer bem mais, este país do futuro vai continuar sem chegar lá e acumulando este passado de baixo crescimento que continua se repetindo.
Para este ano, o crescimento previsto pelos
analistas consultados pelo boletim semanal Focus, do Banco Central, será de
2,9%, conforme a mais recente edição desse boletim, de segunda-feira passada.
Para 2024, prevê-se que a taxa cairá para 1,5%, número que se mantém há oito
semanas, o que seria um desastre.
As más notícias adicionais devem começar no
início de dezembro, quando o IBGE anunciar a variação do PIB no terceiro
semestre. No primeiro e no segundo, as taxas trimestrais relativamente aos
trimestres anteriores foram boas, de 1,8% e 0,9%, respectivamente,
impulsionadas, entre outros fatores, por uma safra agrícola excepcional e pelos
gastos públicos adicionais trazidos pela Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) da transição, em particular no caso do Bolsa Família. Mas as estimativas
são de que as taxas do terceiro e do quarto trimestres ficarão perto de zero,
podendo vir até taxas negativas.
Calculei que, se a economia não crescesse
nesses dois trimestres, ainda assim ela cresceria 3% no ano. Se os analistas do
boletim Focus estão prevendo 2,9%, isso implica uma pequena queda nos
trimestres cujos números ainda não foram divulgados. Em entrevista a este
jornal no dia 12/11, Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, disse
esperar “(...) que o PIB do terceiro trimestre mostre pequena contração, algo
como 0,2%, e o PIB do quarto trimestre também fique próximo de zero”. Manchete
da Folha
de S.Paulo de ontem fortalece essa
perspectiva: Serviços reforçam projeção de queda do PIB no 3.º trimestre. O
setor de serviços é o mais importante e teve quedas em agosto e em setembro. Ou
seja, o PIB vai terminar mal o ano e 2024 vai começar com esta perspectiva de
um crescimento muito fraco.
As implicações dessa estagnação são várias e
hoje destacarei uma pouco conhecida: seu impacto na mobilidade
econômico-social. Em particular, essa mobilidade procura averiguar se os filhos
alcançam ou não um status econômico-social superior ao dos pais.
José Pastore e Nelson do Valle Silva, no
livro Mobilidade Social no Brasil, analisaram a dinâmica da mobilidade social
dos homens chefes de família no Brasil entre 1970 e 1996. Mostraram que neste
último ano eles estavam, em média, em posições de status econômico-social mais
altas, o que a meu ver veio principalmente do crescimento econômico muito forte
ocorrido nas décadas de 1950 a 1970, conforme apontado anteriormente. Na
condição de economista, cheguei ao mercado de trabalho no final da década de 1960,
tive muitas oportunidades na década de 1970 e passei por essa mobilidade.
Também a percebi entre meus colegas de trabalho.
Mas, depois dessas quatro décadas de
estagnação, eu tenho observado na minha família e em outras do meu convívio
social que os filhos da minha geração e de meus colegas estão tendo
dificuldades até mesmo de alcançar o status socioeconômico de seus pais. Esse é
um dos lados muito lamentáveis do fraco crescimento econômico.
Tenho dificuldades de entender por que a
classe política brasileira não se preocupa seriamente com isso. Nossos partidos
políticos têm uma posição ideológica dispersa, guiando-se mais por interesses
pessoais, regionais – em particular os municipais – e de grupos, o que explica
seu forte apego às emendas parlamentares com que cevam suas clientelas
políticas.
Mas o leitor poderia questionar: mas não
vemos Lula empenhado no seu Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e nos
programas sociais, sempre dizendo que quer ver o País crescer? Isso é verdade,
mas escolhe caminhos equivocados.
Em particular, tem forte apego à indisciplina
fiscal, pregando aumentos do déficit público primário (o que exclui os juros da
dívida). Ora, isso aumenta a dívida pública e contribui para juros maiores. A
ex-presidente Dilma Rousseff pregava que “gasto é vida”, mas pode ser vida boa
ou vida má, esta como neste caso.
Seria importante que a classe política, o
presidente Lula e a sociedade em geral dedicassem à fragilidade do crescimento
econômico ao menos a atenção que deram à discussão da reforma tributária.
*Economista (UFMG, USP E HARVARD), é consultor econômico e de ensino superior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário