sábado, 27 de janeiro de 2024

Adriana Fernandes - STF, Haddad e taxação de importados

Folha de S. Paulo

Supremo pode tirar bomba da taxação de importados do colo de Haddad

taxação das compras internacionais até US$ 50 colocou o STF (Supremo Tribunal Federal) mais uma vez como ator central na decisão de um tema sensível para a política econômica do governo Lula 3.

Com o movimento das duas maiores confederações empresariais CNI (indústria) e CNC (comércio) de entrar com uma ação no STF para acabar com a política de tarifa zero do Imposto de Importação de bens de pequeno valor que são enviados a pessoas físicas no Brasil, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, saiu do foco de pressão do Planalto, contrário a qualquer tipo de taxação.

Bom para Haddad, que tira essa bomba de impopularidade do seu colo. Ruim para muitas lideranças do Congresso que seguem incomodadas e críticas à pauta econômica tomando o caminho na direção do prédio ao lado da praça dos Três Poderes, o do Supremo.

A decisão mais recente foi o acordo costurado com a equipe econômica, que permitiu a regularização do pagamento de precatórios, despesas com sentenças judiciais "pedaladas" pelo próprio Legislativo durante o governo Bolsonaro.

A fatura de R$ 93 bilhões, paga numa única vez no fim de 2023, não só interrompeu uma bola de neve como garantiu uma injeção de dinheiro novo para impulsionar o consumo neste ano em que o crescimento da economia brasileira está desacelerando.

Além de precatórios, a forma de tributação de ICMS para combustíveis, o voto de qualidade do Carf, o orçamento secreto e tantos outros temas. No caso do acordo costurado para o Carf entre governo, Supremo e empresários, o presidente da Câmara, Arthur Lira, cobrou que o Executivo enviasse um novo projeto, proposta que bem mais tarde acabou sendo aprovada.

A MP 1.185 da subvenção e a extensão da desoneração da folha de pagamento para 17 setores e prefeituras também correm o risco de serem decididas pelo STF.

O ingrediente adicional é que a birra dos congressistas com o Supremo alimentou, nos bastidores de Brasília, a avaliação de que foi o ministro Haddad e sua equipe que estimularam a CNI e a CNC a protocolar a ação, deixando para os ministros da Corte a polêmica decisão.

O desconforto só aumentou. Todos lembram que um dos critérios da Fazenda sobre esse tema era os varejistas locais serem mais explícitos na defesa da medida.

Ao longo do ano passado, a intenção da equipe econômica de acabar com a isenção era coibir abusos das grandes plataformas de ecommerce (como Shein e Shopee e Alibaba) e deu muita dor de cabeça para Haddad, com trombadas diretas com o Palácio do Planalto.

Por outro lado, o ministro sofreu forte pressão dos varejistas e dos fabricantes nacionais para que a medida fosse tomada.

O que aconteceu foi um rol de informações desencontradas e recuo da decisão de taxar essas compras, após os alertas da primeira-dama, Janja, sobre a avalanche de críticas dos consumidores da classe média que reverberava nas redes sociais.

Na contramão de todo esse ruído, um novo ponto entrou no radar. O Ministério da Fazenda identificou uma mudança no mercado após a criação do Remessa Conforme, o que tem inspirado maior cautela na decisão de taxar ou não essas mercadorias, como mostra a reportagem desta sexta-feira (26) da Folha.

O diagnóstico preliminar indica uma queda consistente tanto no volume quanto no faturamento desses produtos, com substituição de parte da oferta por artigos de fornecedores nacionais.

A preocupação agora da equipe de Haddad é que a regularização das plataformas estrangeiras comprometa esse movimento positivo, que também poderia favorecer empresas locais.

Não é o que pensam, porém, a CNI e CNC, que cobram a taxação para garantir isonomia de tratamento com as empesas estrangeiras para fechar a explosão dessas compras internacionais sem imposto nos últimos anos, com prejuízo para a indústria nacional.

As duas entidades alegam que, entre 2013 e 2022, as importações de pequeno valor saltaram de US$ 800 milhões para US$ 13,1 bilhões (4,4% do total de bens importados).

O assunto voltou quente neste início do ano porque a taxação é apontada como uma alternativa de compensação de receita para a desoneração (ou reoneração a depender do desfecho final das negociações) da folha de pagamentos. A depender da alíquota, pode garantir mais R$ 2,9 bilhões de arrecadação.

Coincidência ou não, a ação no STF foi ajuizada quase ao mesmo tempo que as negociações esquentaram entre Haddad e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, sinalizou que não vai decidir sobre o pedido de liminar durante o recesso do Judiciário. A relatora do processo, ministra Cármem Lúcia, já arquivou ação contra a criação do sistema Remessa Conforme.

No Supremo, há quem avalie que as duas ações têm argumentações muito parecidas. A decisão dos ministros não será fácil. Mas, se for favorável à taxação, é inegável que tira um peso gigante dos ombros do ministro Haddad.

Os congressistas que criticam o ativismo do STF, se não quiserem ficar a reboque, têm com a MP da reoneração a chance de carimbar a sua posição. Não vão querer comprar essa briga.

Dada a excessiva contaminação política que o tema ganhou, sendo alvo de disputa entre bolsonaristas e a primeira-dama, faria sentido o STF assumir o papel de árbitro no tema?

 

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