Valor Econômico
Delfim Netto morreu anistiado pela esquerda, certamente em razão de seu desenvolvimentismo, que proporcionou ao país um período de extraordinário crescimento econômico
Em julho, esta coluna tratou da questão da
desvinculação dos benefícios da Previdência. O tom da conversa foi sobre o
risco de superendividamento dos idosos caso venha a prevalecer a proposta de
desvincular reajustes de aposentadorias e outros benefícios da variação do
salário mínimo.
A desvinculação, na prática, tiraria dos
idosos que recebem um salário mínimo (dois terços do total) a possibilidade de
participar dos ganhos reais da economia. Hoje, ao acompanhar os reajustes do
mínimo, os benefícios aumentam acima da inflação oficial, porque são acrescidos
do índice de variação do PIB.
Essa vinculação ajuda a aumentar o déficit fiscal do governo em bilhões de reais. A ideia dominante entre os fiscalistas é de que o reajuste deveria seguir apenas a inflação. Ocorre que esse ajuste nem sempre repõe o poder de compra de aposentados e pensionistas, porque os principais gastos dos idosos, como remédios e planos de saúde, tendem a subir mais que a inflação oficial.
Ao ler a coluna de 23 de julho, o aposentado
José Carlos Lyrio Rocha, de Vitória (ES), se disse “profundamente tocado”.
Manifestou a esperança de que o assunto estimule reflexões no meio acadêmico e
deu uma sugestão: “Nós aposentados trocaríamos, sem problemas, o atual modelo
de correção dos nossos proventos por um índice que melhor se ajustasse à cesta
básica de produtos para idosos”.
Essa sugestão é viável? A pergunta foi feita
ao economista e diretor do FGV Ibre Luiz Guilherme Schymura, também colunista
do Valor.
Teoricamente, sim, foi a resposta, porque faz mais sentido o idoso receber seu
benefício corrigido por um indicador atrelado à sua cesta de consumo,
independentemente de a inflação estar acima ou abaixo desse indicador.
Schymura lembrou que esse indicador já
existe, é calculado pela FGV e chama-se Índice de Preços ao Consumidor -
Terceira Idade (IPC-3i). Mede a evolução do custo de vida para famílias com
indivíduos com mais de 60 anos de idade.
O que mostra o IPC-3i nos últimos 30 anos?
Aumentou mais ou menos que a inflação oficial? Aí as respostas foram dadas pelo
economista André Braz, coordenador de índices de preços do FGV Ibre. De agosto
de 1994 até junho de 2024, o IPC-3i registrou aumento de 838,59%. Esse aumento
é superior ao observado no INPC (671%) e no IPCA (658%) no mesmo período,
revelando uma dinâmica particular que merece atenção.
No longo prazo, portanto, está claro que o
custo de vida dos aposentados cresce mais que a inflação oficial. Mas nem
sempre é assim no médio e curto prazo. Braz observa, por exemplo, que nos 12
meses até junho último o IPC-3i subiu 3,9%, ligeiramente acima do INPC (3,7%),
mas abaixo do IPCA (4,23%). No ano passado, essa relação foi a mesma: IPC-3i de
3,77%, acima do INPC (3,71%) e abaixo do IPCA (4,62%).
A tendência de longo prazo, porém, é de o
IPC-3i aumentar mais que os índices oficiais de inflação. Alguns benefícios
para idosos, lembra Braz, equilibram um pouco o cenário, como a gratuidade no
transporte público e a meia-entrada em cinemas, teatros e shows.
Quando se compara a inflação dos idosos com a
“inflação” do salário mínimo, vem uma surpresa. O aumento do mínimo nesses 30
anos é muito superior ao do IPC-3i: 2.079% contra 839% (ver gráfico). Ou seja, o salário
mínimo subiu 2,5 vezes mais que o custo de vida dos idosos, resultado de
políticas de recuperação e valorização salarial nesses 30 anos.
Quem prega a desindexação total no país
sugere que o salário mínimo poderia ser reajustado mediante negociação entre
representações trabalhistas, empresariais e do governo. Mas isso é utopia num
país em que os sindicatos trabalhistas e patronais foram dizimados e em que a
correção monetária é quase uma “cláusula pétrea” econômica.
A sugestão de Lyrio Rocha, enfim, não seria
benéfica à maior parte dos aposentados, mas apenas àqueles com proventos mais
elevados, que já têm reajuste baseado apenas na inflação. A mudança da correção
daria algum alívio aos cofres da Previdência e às contas públicas em geral no
longo prazo. Mas é cruel querer resolver esse problema fiscal empurrando idosos
e deficientes para o superendividamento e a pobreza extrema.
Delfim anistiado
Delfim Netto, que morreu ontem aos 96 anos,
foi um dos mais poderosos ministros do regime militar que sucedeu ao golpe de
1964. Assinou o Ato 5, que legalizou a ditadura e permitiu a censura e a
tortura. Foi acusado de promover concentração de renda e criticado pela ideia
de que seria preciso “primeiro deixar o bolo crescer para depois distribuí-lo”,
frase que sempre negou ter dito. Mas o tempo passou, ele colaborou com o
governo Lula e a esquerda atenuou suas críticas. Delfim morreu anistiado por
parte da esquerda, a menos revanchista. Certamente em razão de seu
desenvolvimentismo, que proporcionou ao país um período de extraordinário
crescimento econômico.
Um comentário:
Excelente coluna! Destaco a conclusão principal: "é cruel querer resolver esse problema fiscal empurrando idosos e deficientes para o superendividamento e a pobreza extrema."
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