Correio Braziliense
Delfim foi um protagonista da modernização
brasileira, na qual o positivismo foi o caldo de cultura da direita e, depois,
da esquerda
A ex-primeira-ministra britânica Margaret
Thatcher esteve no Brasil em 1994, no governo Itamar Franco, quando o Plano
Real ainda era um “experimento econômico”. Estava em pleno curso a transição à
nova moeda, e o xis do problema era o comportamento da inflação. Thatcher fora
convidada por Jorge Paulo Lemann, ainda dono do banco Garantia, que viria a ser
vendido para o Credit Suisse, em 1998.
A Dama de Ferro lotou o auditório do Maksoud Plaza, um edifício de 23 andares na região central de São Paulo, que ainda era uma referência de tradição e glamour para artistas, celebridades e autoridades, cenário de novelas e palco de shows históricos. Thatcher tinha deixado de ser ministra havia quatro anos, mas era a principal referência para os que desejavam fazer a reforma do Estado brasileiro, com a privatização das empresas estatais, como ocorreria nos anos seguintes. O Brasil era a 10ª economia do mundo.
O petista Luiz Inácio Lula da Silva era o
favorito nas eleições para presidente da República, mas começara a perder a
eleição, por se recusar a apoiar o governo Itamar e apostar no fracasso do
Plano Real, induzido pela economista Maria da Conceição Tavares. O
ex-governador Orestes Quércia (PMDB), que havia deixado o Palácio dos
Bandeirantes com um acervo de obras de infraestrutura, prometia um plano de
metas inspirado em Juscelino Kubitschek. Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o
ex-ministro da Fazenda, ungido candidato por Itamar, já tinha o apoio do antigo
PFL e tentava esvaziar ou remover candidatos concorrentes. Um deles era Paulo
Maluf, ex-governador e ex-prefeito de São Paulo da antiga Arena, o então PDS
(hoje PP), o candidato derrotado por Tancredo Neves, em 1985, no colégio
eleitoral.
Cheguei à redação crente que estava com a
manchete do jornal. No aquário, o chefe de redação e o editor de política
sorriram. “Daqui a pouco vamos entrevistar o Maluf”, disseram. Não deu outra, o
ex-prefeito disse que a candidatura dele era irremovível. Mesmo assim, fui
conferir: houve a reunião na terça-feira. Na saída, quando perguntei a Maluf se
retiraria a candidatura, ele negou. Esperidião Amin (PP-SC), então presidente
do PDS, também. Mas Delfim piscou o olho e sorriu. Liguei para ele. “Maluf vai desistir,
pediu apenas para ter uma conversa com Fernando Henrique antes de anunciar”,
confidenciou-me. Foi o que aconteceu.
Geisel e Dilma
Como “animal político”, Delfim Netto era um
camaleão, capaz de transitar de uma posição para outra e se adaptar às
circunstâncias, como artífice das conexões do grande empresariado paulista com
o poder. Graças a isso, se manteve influente por tanto tempo, mesmo sendo um
dos signatários do Ato Institucional nº 5, que institucionalizou o fascismo
durante o regime militar.
“Eu estou plenamente de acordo com a
proposição que está sendo analisada no Conselho. E, se Vossa Excelência me
permitisse, direi mesmo que creio que ela não é suficiente”, o mesmo ministro
que fez essa afirmação na reunião (gravada) de assinatura do decreto que lançou
o país na sua maior escuridão política, mais tarde, seria aliado de Fernando
Henrique Cardoso, que fora afastado da Universidade de São Paulo, e conselheiro
dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, ambos perseguidos pelo regime militar.
Delfim Netto foi o mais jovem ministro da
Fazenda a ocupar o cargo, aos 38 anos, quando assumiu a pasta, em 1967, e
comandou a economia nos governos militares de Costa e Silva e Médici. Foi o pai
do chamado “milagre econômico”, cuja estratégia teve como pilares a ampliação
da presença do Estado na economia, o aumento das exportações e a captação de
investimentos estrangeiros. Para justificar a concentração de renda, cunhou a
frase famosa: “É preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”.
Após deixar o cargo na Fazenda, ocupou o
posto de embaixador do Brasil na França, em 1975, durante o governo de Ernesto
Geisel. No governo de João Figueiredo, assumiu o Ministério da Agricultura e,
em seguida, o do Planejamento. Depois da redemocratização, foi eleito deputado
federal por cinco mandatos consecutivos e permaneceu como figura de destaque
nos meios econômico e político. O simples oportunismo não explica essa
transversalidade política. Delfim foi um protagonista da “revolução passiva” da
modernização brasileira, na qual o positivismo foi o caldo de cultura da
direita e, depois, da esquerda. Delfim acreditava no Estado como principal
indutor do progresso. Isso explica o seu camaleônico transformismo político.
Um comentário:
Certo dia, fui assistir a uma palestra do Professor no auditório da Folha. O evento contou também com a participação de Marcos Lisboa.
Fiz questão de tietar os dois, e pedi para tirarmos uma foto. Ambos foram absolutamente simpáticos.
Delfim Netto:
- Eu se fosse você pensaria duas vezes antes de a gente fazer isso. Se eu aparecer, você vai se queimar com seus amigos.
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