O Estado de S. Paulo
Delfim Netto: ‘czar da economia’ e ‘inimigo dos pobres’; poderoso na ditadura e amigo de Lula
Apelidado de “czar da economia” e considerado
mentor e executor do “milagre econômico” no regime militar, Delfim Netto tinha
uma inteligência primorosa, uma conversa cativante e um humor demolidor, que
ele calibrava com seu decantado pragmatismo. Adorava uma boa fofoca, recheada
de detalhes e maldades. Não deixava nada nem ninguém passar em branco e um dos
seus alvos prediletos eram os tucanos, particularmente Fernando Henrique
Cardoso, com quem seu santo nunca cruzou. Só era monossilábico ao falar do general
Ernesto Geisel.
Delfim era muito polêmico, atraía amigos e inimigos aos montes e cometeu um erro comum, como a gente sabe: voltar ao poder. Saiu da glória e virou vilão preferido, seguindo a trajetória da economia. Em seus tempos de ministro da Fazenda dos generais Costa e Silva e Emílio Médici, a economia cresceu em média 11%, registrou queda da inflação e aumento do consumo de carros e eletrodomésticos. Tornou-se ídolo de empresários e da classe média.
Mas Geisel assumiu, o despachou para a
disputada, mas convenientemente distante, embaixada na França e se divertia
quando o também general Golbery do Couto e Silva lhe relatava as peripécias
amorosas do ex-ministro em Paris, citando enigmaticamente a “Rive Gauche” e a
“Rive Droite” do Rio Sena. Geisel e Golbery nunca confiaram em Delfim.
A volta ao poder foi nos estertores da
ditadura, como ministro da Agricultura e secretário do Planejamento do último
general presidente, João Figueiredo.
Mas os ventos eram outros e a abundância dos
tempos na Fazenda passou a cobrar seu preço: a dívida externa tinha triplicado,
a concentração de renda se aprofundou. O “czar da economia” era também o
“inimigo dos pobres”.
Constituinte de 1988 e deputado federal em
três mandatos, Delfim brilhava no plenário, nos bastidores e nas mesas de
conversa supraideológicas. A aproximação do civil mais poderoso da ditadura com
o líder metalúrgico mais icônico da história foi quase natural. Além do
pragmatismo, muito forte em ambos, Delfim e Lula tinham o jeito bonachão,
divertiam-se jogando conversa fora e falando mal dos outros – especialmente dos
amigos. Gostavam um do outro.
Na reunião convocada por Costa e Silva em
dezembro de 1968, no Palácio das Laranjeiras, no Rio, para decretar o AI-5, o
instrumento legal mais macabro da ditadura, Delfim não apenas apoiou como
aproveitou para se autoconceder ainda mais poderes na economia. Em todos esses
anos, porém, jamais se disse arrependido ou pediu desculpas, o que seria de um
cinismo que ele não se permitia. Se sentimento de culpa havia, levou para o
túmulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário