quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Um corisco solto no mundo


Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


A administração Bush promoveu a desigualdade e o militarismo. Fracassou por isso. O declínio norte-americano significaria uma ruptura na ordem mundial?

Políticos e economistas de esquerda se apressaram a decretar a morte do neoliberalismo por causa da crise norte-americana. A pá de cal foi a blindagem das gigantes do mercado imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac pelo Tesouro dos Estados Unidos. A operação estatizante seria um renascimento do velho keynesianismo. Afinal, o governo Bush injetou US$ 200 bilhões nas duas megaempresas, o que foi apresentado como solução para a crise do mercado financeiro daquele país. Será o último capítulo da crise imobiliária? Não, o nervosismo de ontem das bolsas de valores no mundo inteiro parece apontar na direção contrária.

Metamorfose

Alguém já disse que o capitalismo é uma eterna metamorfose dos meios de produção e relações sociais, dos credos, costumes e idéias modernas. Por isso mesmo, a antiga União Soviética e o “socialismo real” do Leste Europeu sucumbiram à terceira revolução industrial. A China é a nova potência porque aderiu à economia de mercado e se conectou à economia norte-americana. Os dois países são sócios do mesmo modelo energético e parceiros do mercado financeiro internacional. Um é o símbolo do neoliberalismo; o outro, da intervenção estatal.

A estatização de metade do mercado hipotecário dos Estados Unidos lançou por terra a ortodoxia liberal de que o governo nunca deve se meter no mercado para exercer um papel regulatório. Nem de longe, porém, significa o surgimento de uma nova política naquele país. O histórico de fraudes contábeis, descontrole financeiro e incompetência política do mercado financeiro norte-americano é que libertou o corisco e colocou em xeque o mercado mundial. Porém, é um exagero decretar o fim dos fundamentos do liberalismo. Eles são inerentes ao sistema financeiro globalizado. Como as duas instituições assumiram riscos da ordem de US$ 5 trilhões em contratos, o presidente Bush resolveu honrar os compromissos e evitar um colapso no mercado hipotecário. Com isso, socorreu a banca internacional e o atual sistema-mundo. De pronto recebeu o apoio dos dois candidatos que disputam a Presidência dos Estados Unidos. Os partidos de Barack Obama e John McCain foram coniventes com as causas da crise. Onde estará a mudança?

O redemoinho

Também é temerário acreditar que a desaceleração da economia dos EUA acabou. Há sete meses, outra operação salvou os investidores do banco Bear Stearns e a crise continuou. Os ativos nos Estados Unidos — imóveis, automóveis, ações e os demais títulos privados – continuam desabando. Na Europa, o mesmo fenômeno prenuncia uma longa recessão. E o impacto da crise na Ásia repercute por aqui no alvorecer do dia. A economia brasileira é robusta, porém sacoleja com tudo isso. Na periferia do redemoinho, há chance de escapar de seu centro de atração? Pergunte ao corisco.

O redemoinho ameaça deixar muitos países de pernas para o ar. O esforço do governo norte-americano para salvar seu mercado financeiro, a rigor, interessa a todo mundo. Contraditoriamente, quem mais sofre o baque, a velha Europa, não quer mudança, quer uma saída conservadora. A esquerda foi varrida do poder na maioria dos países, a começar pela Itália de Berlusconi e a França de Sarkozy. Onde está, então, a alternativa ao neoliberalismo? No capitalismo de estado da China, que ninguém sabe ainda como enfrentará a crise mundial e o problema da democracia política? Nos regimes da Rússia e da Índia, que estão longe de serem exemplos de relações entre o Estado e a sociedade? É óbvio que a saída para o Brasil não virá do Oriente.

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também classificou a intervenção do governo Bush no mercado financeiro como a “morte do neoliberalismo”. Bebeu nas águas de Immanuel Wallertein, o principal teórico do sistema mundial, que declarou o ano 2008 como o ano da “morte da globalização neoliberal”. A administração Bush promoveu a desigualdade e o militarismo. Fracassou por isso. O declínio norte-americano significaria uma ruptura na ordem mundial? Segundo Wallerstein, haverá um grande realinhamento da política global e das forças econômicas, com o retorno ao keynesianismo e ao capitalismo de Estado. Será essa a aposta política da candidatura de Dilma?

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