Monica Allende Serra
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O passaporte do cidadão global, a ser lançado em outubro, simbolicamente quebra a defasagem entre o passado e o futuro
NAS MINHAS lembranças de criança, "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry, é o personagem mais significativo do meu mundo encantado. Lembro de minha atração por suas aventuras e do meu desejo de ser sua fada madrinha. Acreditava então que toda criança podia, se quisesse, virar gnomo ou fada. Ser movida por nobre motivo era garantia de ida e volta ao mundo encantado. Acreditava que uma mágica -que à época fazia parte de minha realidade- poderia permitir que ele viajasse para meu mundo e fosse mais um irmão, para minha mãe cuidar dele. Quantas manhãs de decepção ao acordar: ele não estava ao meu lado.
Nunca conseguiu ultrapassar o umbral dos sonhos. Agora entendo que, para sobreviver até hoje, ele tinha que ficar lá pelos livros e sonhos, pois, se para cá viesse, não estaria tão vivo como está. Ficando no seu planeta tão bem cuidado, ensinou a gerações e gerações que somos feitos de tempo e espaço -uma espécie chamada humanidade- e que devemos cuidar tanto do espaço físico, o planeta, quanto de nossa temporalidade eterna, o espírito, despertada pelos contos de fada.
Um modo de conferir humanidade à criança é valorizar sua capacidade de fantasiar um mundo melhor. Já um modo de manter a humanidade no adulto é mais difícil, pois falar em liberdade, amor puro e fantasia é coisa de gente pequena. Mas, de que adianta ser gente grande, se o planeta do qual não cuidamos pode vir a desaparecer?
Por isso, com coragem e a compreensão de muita gente grande, ampliamos o conceito de cidadão para cidadão global: que evolui em matéria e espírito. Assim, atendendo a sua natureza material, desenhamos um passaporte simbólico e, pela sua natureza espiritual, chamamos ao encontro de consciências e trabalhamos com responsabilidade adulta por um mundo melhor -não por capricho infantil, mas porque ousamos sonhar.
A recompensa será a mesma que oferta o conto de fada: um final feliz. Paramos de mentir para nós mesmos e, tal qual Pinóquio, que se arrependeu de suas mentiras, seremos premiados: voltaremos a ser plenamente humanos. Só que, para isso, ele prometeu ser bom, corajoso e generoso.
Sabemos também que sociedades que ficam cegas, surdas e mudas acabam mais e mais mentirosas, entrando em colapso e desaparecendo. Muitos de nós associamos o tempo atual ao declínio da civilização, conscientes do estado crítico em que ela se encontra: falta-nos respeito pelo outro, fruto de importante valor, a tolerância pela diversidade, que não só ameaça a base da vida como também a sobrevivência material e espiritual do nosso planeta.
Por isso, chegou o momento de abrirmos o coração e desejarmos ser bons nas declarações, corajosos na determinação e generosos no impulso de sonhar um mundo melhor. Como disse Antoine de Saint-Exupéry: Só se enxerga bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.Curiosamente, o essencial que parecia invisível veio na emoção de uma bela imagem e aproximou o muito grande do muito pequeno.
Por paradoxal que pareça, enxergarmo-nos da distância da Lua como parte ínfima da humanidade nos aproximou e pôs em xeque o conceito de fronteiras. Ficou claro que a sobrevivência da humanidade depende da sobrevivência do planeta. Consciência que pressupõe nos sabermos parte de um múltiplo interligado, seres em evolução a partir da poeira cósmica.
Que as pessoas são algo insignificante e divinamente único ao mesmo tempo é algo que só poetas, artistas e o homem espiritualizado conseguiram apreender em sua totalidade.À luz desse ponto de vista, o passaporte do cidadão global, a ser lançado em outubro deste ano, na Oca (parque Ibirapuera, em SP), por Fernando Henrique Cardoso, quebra simbolicamente a defasagem entre o passado e o futuro.
No contexto global, o conceito de passaporte oferece identificação ao cidadão e lhe confere direitos provisórios para adentrar fronteiras alheias, numa invasão permitida.Possui, assim, o potencial simbólico e educativo para promover o perfil humanista do cidadão global.
Destacamos, porém, que de forma nenhuma substituiria o instrumento que nos outorga o direito de andar pelo planeta em que nascemos. Nessa perspectiva, o Instituto de Cidadania Global abraça o programa, um símbolo de mudança efetiva, atendendo ao chamado das metas do milênio -embora pareça assunto fora de atualidade, diante do "drama econômico" que pede a atenção do mundo.
Monica Allende Serra é primeira-dama do Estado de São Paulo, membro do Conselho do Instituto de Cidadania Global, presidente do Fundo de Solidariedade e Desenvolvimento Social e Cultural do Estado de São Paulo, assessora pedagógica da FMU, fundadora do Instituto SeToque e Associação Arte Sem Fronteiras.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O passaporte do cidadão global, a ser lançado em outubro, simbolicamente quebra a defasagem entre o passado e o futuro
NAS MINHAS lembranças de criança, "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry, é o personagem mais significativo do meu mundo encantado. Lembro de minha atração por suas aventuras e do meu desejo de ser sua fada madrinha. Acreditava então que toda criança podia, se quisesse, virar gnomo ou fada. Ser movida por nobre motivo era garantia de ida e volta ao mundo encantado. Acreditava que uma mágica -que à época fazia parte de minha realidade- poderia permitir que ele viajasse para meu mundo e fosse mais um irmão, para minha mãe cuidar dele. Quantas manhãs de decepção ao acordar: ele não estava ao meu lado.
Nunca conseguiu ultrapassar o umbral dos sonhos. Agora entendo que, para sobreviver até hoje, ele tinha que ficar lá pelos livros e sonhos, pois, se para cá viesse, não estaria tão vivo como está. Ficando no seu planeta tão bem cuidado, ensinou a gerações e gerações que somos feitos de tempo e espaço -uma espécie chamada humanidade- e que devemos cuidar tanto do espaço físico, o planeta, quanto de nossa temporalidade eterna, o espírito, despertada pelos contos de fada.
Um modo de conferir humanidade à criança é valorizar sua capacidade de fantasiar um mundo melhor. Já um modo de manter a humanidade no adulto é mais difícil, pois falar em liberdade, amor puro e fantasia é coisa de gente pequena. Mas, de que adianta ser gente grande, se o planeta do qual não cuidamos pode vir a desaparecer?
Por isso, com coragem e a compreensão de muita gente grande, ampliamos o conceito de cidadão para cidadão global: que evolui em matéria e espírito. Assim, atendendo a sua natureza material, desenhamos um passaporte simbólico e, pela sua natureza espiritual, chamamos ao encontro de consciências e trabalhamos com responsabilidade adulta por um mundo melhor -não por capricho infantil, mas porque ousamos sonhar.
A recompensa será a mesma que oferta o conto de fada: um final feliz. Paramos de mentir para nós mesmos e, tal qual Pinóquio, que se arrependeu de suas mentiras, seremos premiados: voltaremos a ser plenamente humanos. Só que, para isso, ele prometeu ser bom, corajoso e generoso.
Sabemos também que sociedades que ficam cegas, surdas e mudas acabam mais e mais mentirosas, entrando em colapso e desaparecendo. Muitos de nós associamos o tempo atual ao declínio da civilização, conscientes do estado crítico em que ela se encontra: falta-nos respeito pelo outro, fruto de importante valor, a tolerância pela diversidade, que não só ameaça a base da vida como também a sobrevivência material e espiritual do nosso planeta.
Por isso, chegou o momento de abrirmos o coração e desejarmos ser bons nas declarações, corajosos na determinação e generosos no impulso de sonhar um mundo melhor. Como disse Antoine de Saint-Exupéry: Só se enxerga bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.Curiosamente, o essencial que parecia invisível veio na emoção de uma bela imagem e aproximou o muito grande do muito pequeno.
Por paradoxal que pareça, enxergarmo-nos da distância da Lua como parte ínfima da humanidade nos aproximou e pôs em xeque o conceito de fronteiras. Ficou claro que a sobrevivência da humanidade depende da sobrevivência do planeta. Consciência que pressupõe nos sabermos parte de um múltiplo interligado, seres em evolução a partir da poeira cósmica.
Que as pessoas são algo insignificante e divinamente único ao mesmo tempo é algo que só poetas, artistas e o homem espiritualizado conseguiram apreender em sua totalidade.À luz desse ponto de vista, o passaporte do cidadão global, a ser lançado em outubro deste ano, na Oca (parque Ibirapuera, em SP), por Fernando Henrique Cardoso, quebra simbolicamente a defasagem entre o passado e o futuro.
No contexto global, o conceito de passaporte oferece identificação ao cidadão e lhe confere direitos provisórios para adentrar fronteiras alheias, numa invasão permitida.Possui, assim, o potencial simbólico e educativo para promover o perfil humanista do cidadão global.
Destacamos, porém, que de forma nenhuma substituiria o instrumento que nos outorga o direito de andar pelo planeta em que nascemos. Nessa perspectiva, o Instituto de Cidadania Global abraça o programa, um símbolo de mudança efetiva, atendendo ao chamado das metas do milênio -embora pareça assunto fora de atualidade, diante do "drama econômico" que pede a atenção do mundo.
Monica Allende Serra é primeira-dama do Estado de São Paulo, membro do Conselho do Instituto de Cidadania Global, presidente do Fundo de Solidariedade e Desenvolvimento Social e Cultural do Estado de São Paulo, assessora pedagógica da FMU, fundadora do Instituto SeToque e Associação Arte Sem Fronteiras.
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