ENTREVISTA: Luiz Roberto N. Silva
DEU EM O GLOBO / SEGUNDO CADERNO
Por Alessandra Duarte
Ex-ministro e criador da Lei do Audiovisual diz que reforma proposta pelo MinC é redundante
Dependente do investimento das empresas estatais, a cultura brasileira está estatizada há muito tempo. A opinião vem de Luiz Roberto Nascimento Silva, tributarista que foi ministro da Cultura no governo Itamar Franco, secretário de Cultura de Minas Gerais — onde desenvolveu o Fundo Estadual de Cultura de Minas — e é o criador da Lei do Audiovisual, que rege atualmente o cinema nacional.
Numa conversa com O GLOBO sobre as mudanças na Lei Rouanet propostas pelo Ministério da Cultura (MinC), Nascimento Silva diz que essa reforma “é uma redundância”, e que o debate sobre se a proposta traria ou não dirigismo estatal “é inócuo, porque o setor já está estatizado”.
O GLOBO: O que o senhor pensa sobre a proposta de reforma da Rouanet?
DEU EM O GLOBO / SEGUNDO CADERNO
Por Alessandra Duarte
Ex-ministro e criador da Lei do Audiovisual diz que reforma proposta pelo MinC é redundante
Dependente do investimento das empresas estatais, a cultura brasileira está estatizada há muito tempo. A opinião vem de Luiz Roberto Nascimento Silva, tributarista que foi ministro da Cultura no governo Itamar Franco, secretário de Cultura de Minas Gerais — onde desenvolveu o Fundo Estadual de Cultura de Minas — e é o criador da Lei do Audiovisual, que rege atualmente o cinema nacional.
Numa conversa com O GLOBO sobre as mudanças na Lei Rouanet propostas pelo Ministério da Cultura (MinC), Nascimento Silva diz que essa reforma “é uma redundância”, e que o debate sobre se a proposta traria ou não dirigismo estatal “é inócuo, porque o setor já está estatizado”.
O GLOBO: O que o senhor pensa sobre a proposta de reforma da Rouanet?
LUIZ ROBERTO NASCIMENTO SILVA: Esse projeto é uma redundância. É quase desnecessário, porque o setor cultural brasileiro já está estatizado há muito tempo. O incentivo cultural por meio da renúncia fiscal, e a Lei Rouanet de forma geral, vêm sendo desconstruídos pelo MinC desde 2003. Essa etapa de agora, de reforma da lei, é a crônica de uma morte anunciada. Talvez tenha até demorado demais para chegar.
A cultura já estaria estatizada por causa da presença das empresas estatais, como Petrobras e Eletrobras?
NASCIMENTO SILVA: Em boa parte, sim. Basta consultar as estatísticas do próprio ministério que se vê que os investimentos e patrocínios em cultura, por meio da renúncia, têm sido feitos quase que apenas pelas estatais, pelos governos.
Discutir se essa reforma trará ou não dirigismo de Estado é inócuo, porque, na prática, já está estatizado, é um fato. A cultura vive muito pelos editais das estatais. Nos últimos anos, o movimento econômico mais importante no setor tem sido esse.
Mas, além dessa maior participação das estatais, teria havido, por outro lado, um recuo da participação das empresas privadas?
NASCIMENTO SILVA: Sim. Ao lado desse investimento maior pelas estatais, o MinC está avisando há uns seis anos que vai mudar as regras, e o setor privado não investe sem segurança de regras. Na minha gestão no ministério, e mesmo na época do Francisco Weffort, que me sucedeu, a participação do setor privado era mais expressiva; hoje, não é mais. Não é só na Rouanet: também pela Lei do Audiovisual é assim hoje. O governo Lula separou políticas sociais como o Bolsa-Família para atuar melhor nelas, mas nas outras áreas, como construção civil, agronegócio, ele deixou o setor privado trabalhar mais livremente. Na cultura, o governo está atuando como nas políticas sociais.
O senhor participou da criação do Fundo Estadual de Cultura de Minas. Como avalia essa ênfase que o MinC quer dar ao Fundo Nacional de Cultura?
NASCIMENTO SILVA: Criei o Fundo Estadual de Minas para ter recursos orçamentários investindo em cultura. Se deixasse só com a área privada, seria injusto. Era perverso como estava, com vários projetos menores, ou vindos de comunidades muito simples, sem tanto apelo comercial; o fundo estadual ficou para eles, com investimento a fundo perdido mesmo. Mas continuamos usando a renúncia fiscal da Lei do ICMS também. Hoje, o fundo funciona bem; um terço dos recursos do investimento em cultura em Minas é feito por ele, os outros dois terços são pelo ICMS. Aliás, quando eu era secretário estadual em Minas, em 2003, o governo federal quis acabar com as leis estaduais de incentivo fiscal à cultura; eu e a Helena Severo (então secretária estadual de Cultura do Rio) fomos a Brasília para combater isso.
Ainda bem que eles não acabaram com a renúncia estadual.
Mesmo com toda a injustiça que ocorre no setor privado, há alguma meritocracia no processo. O melhor modelo é o que não privilegia nem um lado nem outro, é o que consegue equilibrar renúncia e aplicação orçamentária. Não podemos ter a ingenuidade de acreditar que só um lado vai decidir melhor. Sem falar que, numa situação de restrição, como numa crise, os fundos orçamentários podem ser contingenciados (congelados) pelo governo; no caso desses fundos setoriais (propostos pelo MinC), eles poderiam ser contingenciados ou não? É algo para se discutir.
Como anda a Lei do Teatro (nos moldes da Lei do Audiovisual, só que para investimento nas artes cênicas), concebida também pelo senhor, no ano passado?
NASCIMENTO SILVA: Tivemos duas audiências públicas no Congresso, e o projeto já passou pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Só que agora, com essas mudanças na Rouanet, é claro que essa proposta vai entrar num outro ritmo, mais lento.
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