As últimas pesquisas do Datafolha e da CNT/Sensus apontam para uma polarização na eleição presidencial de 2010. O jogo seria monopolizado pela disputa entre o governador José Serra (PSDB) e a ministra Dilma Rousseff (PT). É claro que a doença de Dilma e a disputa no PSDB ainda podem alterar esse cenário. Só que o mais provável é a manutenção dessas duas candidaturas. Nessa configuração, torna-se cada vez mais difícil o surgimento de uma terceira via capaz de afetar decisivamente o quadro eleitoral, fato com enormes consequências para a competição partidária e para os eleitores.
Antes de discutir os efeitos dessa polarização, é preciso entender suas origens. Ela nasce, primeiramente, da tendência de vitória de Serra e de Dilma em seus respectivos polos. As chances do governador de Minas, Aécio Neves, reduzem-se com o passar do tempo, seja porque cada pesquisa publicada o coloca numa situação igual ou pior que a anterior, seja porque a possibilidade de mudar de partido para concorrer à Presidência vai se tornando remota. Aécio teria de tomar uma decisão nos próximos três meses para alterar esse cenário, mas não há sinais de que isso vai ocorrer.
Entre os governistas haveria duas alternativas a Dilma. A primeira seria um nome do próprio PT, algo descartado se ela estiver bem de saúde. Afinal, seu nome deriva da escolha direta do presidente Lula, e a sobrevivência do PT depende de seu maior líder. A segunda opção governista seria o deputado Ciro Gomes (PSB), um dos poucos políticos brasileiros com recall nacional significativo. O ex-governador cearense, ademais, poderia ser uma alternativa para o PSB consolidar a legenda por todo o país.
Mas o crescimento de Dilma, atrelado ao forte apoio dado pelo presidente Lula, vai reduzir os votos de Ciro – algo que as pesquisas de hoje já mostram como um pequeno aperitivo do que deverá acontecer no futuro. Assim, o lançamento de um candidato pelos socialistas só serviria para reduzir o espaço deles no jogo político, principalmente se a candidata governista vencer. Será que Ciro insistiria em ser candidato num cenário com poucas chances de ganhar e de fortalecer sua agremiação partidária?
Uma terceira via seria importante para obrigar PT e PSDB a ouvir outras vozes e melhorar suas propostas
Contra a polarização restariam ainda o PMDB e os partidos menores, particularmente os mais à esquerda. Em relação ao PMDB, o mais provável é que ele não tenha candidato e se divida no apoio a Serra e Dilma. Também não há nomes alternativos com as características de Cristovam Buarque ou de Garotinho. Sobra a alternativa do P-SOL, com Heloísa Helena. Seu apelo eleitoral tende a ser mais fraco em 2010 que em 2006, pois seu partido e ela própria ainda não conseguiram ir além do discurso moral – e uma segunda pregação pelo purismo não terá o mesmo impacto.
Se esse cenário realmente ocorrer, duas serão as consequências. A primeira é que a polarização será mais forte que na última eleição, provavelmente levando a maioria do eleitorado a ter de escolher mais rapidamente e de forma mais incisiva um dos dois “lados”. Isso pode resultar, inclusive, na definição da eleição no primeiro turno.
A outra consequência é mais importante do ponto de vista da qualidade do debate político. É inegável que PSDB e PT trouxeram ganhos à política brasileira nos últimos anos e ainda são as duas melhores agremiações no cenário atual. Só que a polarização também tem dois efeitos muito negativos: o acirramento figadal das disputas e a redução das alternativas eleitorais. O primeiro ponto tem gerado uma briga contínua e irracional, atrasando o aperfeiçoamento das instituições brasileiras. O bipartidarismo presidencial brasileiro, ademais, diminui as chances de discutirmos as atuais políticas públicas para além das dicotomias geradas por petistas e tucanos.
Uma terceira via efetiva seria importante não apenas para aumentar o leque de escolha dos cidadãos, mas, sobretudo, para obrigar a dupla PT-PSDB a sair da umbilical disputa que a une, obrigando-a a ouvir outras vozes para melhorar suas propostas.
Fernando Abrucio é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA
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