sábado, 7 de novembro de 2009

Miriam Leitão:: Dois pesos medidos

DEU EM O GLOBO

O ministro Joaquim Barbosa foi coerente num país onde a moda é usar dois pesos e duas medidas. Por isso, o voto dele é um alívio. O enorme peso que recai sobre suas costas é o de manter o único movimento feito até agora para deter a corrupção na política. O PSDB errou na época e erra agora quando acoberta o seu. Já o PT pode respirar aliviado: o mensalão federal não será julgado antes das eleições.

Os casos são decisivos. Se o Brasil passasse bem por eles, poderia começar a construir um novo padrão de moralidade na política. Mas tanto governo quanto oposição estão passando muito mal no teste. O governo tenta transformar em fumaça o seu mensalão e diz que o noticiário da época foi perseguição da imprensa.

O PSDB se agarra a questões menores para tentar livrar o senador Eduardo Azeredo. O tal recibo sobre o qual o senador diz que recai dúvida de autenticidade foi considerado pelo ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), como periférico. Ele centrou seu voto em outros indícios.

Além do mais, esta é fase de aceitação da denúncia. No processo, se o voto do relator for seguido pela maioria dos seus colegas, Azeredo poderá se defender usando as contradições deste documento.

Tão incisivo ao condenar o mensalão, o PSDB perdeu a ênfase no caso Eduardo Azeredo.

Na época em que surgiu a denúncia, Azeredo era presidente do partido. A única coisa a fazer era afastá-lo para averiguar a acusação. Mas ele permaneceu até o fim do seu mandato, recebeu a solidariedade do partido e continua sendo apoiado.

Afinal, o que ele fez? Seguiu um caminho conhecido. As empresas SMP&B e DNA, as duas de Marcos Valério, pegaram empréstimos no Banco Rural, que depois foram pagos com dinheiro de estatais mineiras por supostos serviços prestados pelas empresas de Marcos Valério. O governador de Minas, controlador das estatais, era Eduardo Azeredo, concorrendo à reeleição. Há 72 ligações telefônicas entre Azeredo e Marcos Valério. As ordens para que as estatais contratassem os serviços saíram do próprio gabinete do então governador.

Dirigentes destas estatais logo depois se desligaram do governo para trabalharem na campanha. Mesmo após Azeredo sair do governo, Marcos Valério continuava pegando empréstimos seguidos no Banco Rural, e quando eles chegaram a R$ 13 milhões, um dia foram quitados por um valor bem menor. Os indícios são fartos.

O roteiro muito semelhante.

Esse foi exatamente o DNA encontrado na forma de pagar os gastos de campanha do presidente Lula, em 2002. O mesmo Banco Rural, as mesmas empresas, o mesmo Marcos Valério, a mesma prestação de serviços, os mesmos dutos, a mesma sucessão de empréstimo que um dia são quitados por valor bem menor.

Por isso, Barbosa se repetiu.

Ele registrou, no voto, que há enorme similaridade entre os casos: “os dois tratam de corrupção política da mais alta gravidade.” Os valores do mensalão federal foram muito maiores do que os R$ 3,5 milhões que se transformaram no caroço do processo. Há indícios de pagamentos feitos a deputados, prefeitos, prestadores de serviços. Mas no mensalão mineiro, tudo foi exatamente similar ao que foi feito anos depois.

Lula e o PT reescreveram a história. Dizem que todas as acusações do mensalão foram campanha da imprensa, perseguição ao presidente.

E que ele teria vencido a todos porque foi reeleito.

Quem ainda guarda a memória dos fatos sabe que o que se soube chegou à imprensa pelas palavras dos próprios aliados do presidente, como Roberto Jefferson, como Duda Mendonça, como o tesoureiro Delúbio Soares que admitiu ter usado “dinheiro não contabilizado”, ou pelo casal Marcos Valério e Renilda. Tudo foi tornado público por declarações deles mesmos.

O presidente Lula, alegou que não sabia. Isso depois de ter dito que isso era feito “sistematicamente” neste país. Azeredo se apega a isso para tentar desqualificar o voto do relator Joaquim Barbosa, mas a denúncia do procurador-geral da República não cita Lula no processo do mensalão federal, e registra Azeredo como principal beneficiário do próprio esquema. O ministro só pode fazer seu voto a partir do que está registrado na denúncia. Se houve diferença de tratamento no Ministério Público entre um e outro, que o senador Azeredo use isso na sua defesa em juízo, se virar réu. Mas esse argumento não pode ser usado pelo PSDB. A oposição não pode acusar nos outros o que absolve em si mesma. O caso Azeredo foi um ponto de não retorno para o PSDB.

Ele tomou a trilha errada e persiste nela.

Já não há possibilidade de que o mensalão federal seja julgado antes da campanha eleitoral. Deve ficar para o fim de 2011. As testemunhas foram ouvidas em quase todos os estados, mas em Brasília parou. Políticos usando a prerrogativa de poderem marcar hora e local para o depoimento estão protelando o processo.

No caso mineiro, há o risco de que os outros ministros se apeguem a detalhes para não acompanhar o voto do relator.

Os dois casos são decisivos para a política brasileira.

Se um dia forem julgados com rigor, teremos uma chance de começar a enfrentar esse mal que ameaça minar a confiança dos cidadãos.

Se virarem fumaça, então o país consagrará a corrupção como parte da nossa cena política.

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