DEU EM O GLOBO
Jacineide e Jaqueline Silva saíram das ruas para uma favela em Recife. Mas continuam em uma estatística; faltam 5,8 milhões de moradias decentes no país.
Fora das ruas, mas dentro da estatística
Déficit de habitação no país chega a 5,8 milhões de lares. Moradias precárias e improvisadas fazem parte do problema
Letícia Lins
Jacineide e Jaqueline Silva saíram das ruas para uma favela em Recife. Mas continuam em uma estatística; faltam 5,8 milhões de moradias decentes no país.
Fora das ruas, mas dentro da estatística
Déficit de habitação no país chega a 5,8 milhões de lares. Moradias precárias e improvisadas fazem parte do problema
Letícia Lins
RECIFE e RIO. Jacineide Maria da Silva, de 40 anos, e Jaqueline Barbosa da Silva, de 22, são vizinhas na comunidade do Coque, na Ilha Joana Bezerra, próxima ao Centro da capital pernambucana. Residem em casas precárias, sujeitas a inundações a cada chuva forte. Mesmo assim, dão-se por felizes. Ex-moradoras de rua, não gostam muito de lembrar os anos ao relento. Quando falam sobre o assunto, relatam o medo de morrer e de voltar a engrossar as estatísticas do déficit habitacional no país - estimado, segundo os últimos dados do Ministério das Cidades, em 5,8 milhões de lares. O que as moradoras da Rua São Pedro não sabem é que, mesmo tendo um teto, elas fazem parte das estatísticas:
- Domicílios improvisados, barracas, prédios em construção, casas em favelas, todas essas moradias são contabilizadas - explica Melissa Giacometti de Godoy, doutora em geografia humana e pesquisadora da área habitacional.
Moradoras de uma área conhecida pela violência e pela falta de infraestrutura, Jacineide e Jaqueline se sentem abrigadas mesmo vivendo em casas de zinco, tábuas velhas e pedaços de papelão, construídas sobre varas no Rio Capibaribe e sem saneamento:
- Eu morava debaixo de uma lona e aguentava muita coisa. Passava gente que jogava garrafa, lata, pedra e até ameaçava queimar a gente. Todo mundo dormia assustado, sentia frio à noite, e a água molhava os trapos quando chovia. Felizmente tinha umas almas boas que levavam sopa, pão, roupas - lembra Jacineide, que morou na rua com os três filhos por três anos. - Hoje, eu lavo roupa, ganho R$200 por mês, tenho uma casa.
Com vergonha de ter morado na rua, Jaqueline divide hoje, com o irmão, a casa para onde foi depois que a mãe foi assassinada. No primeiro ano do ensino médio, ela não trabalha e faz pequenos biscates para conseguir algum dinheiro. Na memória, os dias em que viveu nas ruas:
- A noite dá frio e medo. Ninguém sabe o que vem.
De acordo com o Ministério das Cidades, o déficit habitacional se concentra nas áreas urbanas (82%). Nas regiões metropolitanas do país, estão 1,6 milhão desses domicílios - 27% do total. O déficit está concentrado nas faixas de até três salários mínimos (89,2%) e de três a cinco salários mínimos (7%).
Em Recife, espaços mínimos
A Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) estima em 80 mil unidades o déficit habitacional da capital pernambucana. A prefeitura informa, no entanto, que esses números estão defasados, porque, nos últimos dez anos, mais de 3,6 mil unidades habitacionais foram construídas na capital. Mas não informa quantas favelas ou ocupações (famílias morando sob a lona) surgiram.
Calculando que cinco pessoas em média vivam em cada módulo familiar, 18 mil ex-favelados já teriam sido beneficiados. De acordo ainda com a Fase, na região metropolitana o déficit chega a 150 mil unidades. No estado, são 300 mil.
- Pelo que a gente observa, a prioridade é dar espaço para avenidas e construção de prédios, empurrando as comunidades pobres para longe. No entanto, centenas de pessoas moravam em casas, não estavam acostumadas a condomínios verticais e não se adaptaram às novas moradias, que também deixam a desejar - diz Adelmo Araújo, coordenador da Fase.
Um levantamento solicitado à prefeitura indicou a construção de doze conjuntos habitacionais nos últimos dez anos. E, com eles, os problemas habitacionais não acabaram. De acordo com a Fase, os espaços residenciais são mínimos.
- Parecem pombais - afirma Araújo.
A cidade está pontilhada de maus exemplos da política habitacional oficial. Alguns apartamentos - como do conjunto habitacional Zeferino Agra - foram entregues sem paredes internas rebocadas e com piso de cimento. Só tinham teto de gesso na cozinha e no banheiro.
Políticas diversificadas para conter o déficit
"Não adianta ter solução única"
Para conter o déficit habitacional no Brasil, é preciso que sejam criadas políticas diversificadas, segundo a especialista Melissa Giacometti de Godoy, doutora em geografia humana e pesquisadora na área de moradia:
- Os problemas são diversificados. Então, deveríamos ter políticas para urbanizar favelas, para quem tem renda de até três salários mínimos, faixa que o Minha Casa, Minha Vida contempla, mas que é difícil inserir na lógica do financiamento habitacional, para aquelas pessoas que moram em áreas de risco e para as que comprometem mais de 30% da renda com o pagamento de aluguel. Não adianta ter uma solução única.
Segundo dados da Fundação João Pinheiro, em 2007 o déficit habitacional no Brasil era de 6.272.645 domicílios. Em São Paulo, faltavam 1.234.306 domícilios. No Amapá, 30.449.
- Vendo os números absolutos, São Paulo é o estado com maior déficit. Mas, ao analisarmos os dados, vimos que o número no Amapá corresponde a 20% do total de domicílios. Em São Paulo, o percentual não passa de 9,6% - diz Melissa.
Em Pernambuco, onde vivem Jaqueline Barbosa da Silva e Jacineide Maria da Silva, o Minha Casa, Minha Vida previa a construção de 44 mil unidades até o fim do ano. Apenas 27% foram realmente contratadas, ou 12.165 unidades.
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