O arremedo de reforma política contido em proposta do deputado Henrique Fontana (PT-RS), prevista para ser votada hoje em comissão da Câmara, procura capitalizar a cobrança social de uma verdadeira reforma (fortalecida pelo desgaste do Congresso com as denúncias de corrupção envolvendo partidos e parlamentares) e tenta mudanças no sistema eleitoral que favoreçam a ampliação do peso da legenda nos pleitos para cargos executivos e legislativos, tendo em vista especialmente o controle da Câmara e do Senado e a continuidade do lulopetismo no comando do Palácio do Planalto. Dois objetivos básicos, iniciais, dessa proposta: a institucionalização do financiamento exclusivo das campanhas eleitorais por empresas do Estado e a adoção da lista fechada de candidatos de voto proporcional pelas direções partidárias. Ambos já relativizados por fórmulas híbridas de financiamento (público e privado) e de lista fechada só para a metade dos candidatos, em face de recuo tático imposto pelas reações contrárias de boa parcela de base parlamentar governista. A partir das do PMDB, cuja direção rejeita o financiamento público exclusivo e a lista fechada, insistindo no chamado sistema distrital misto que privilegia a escolha de lideranças individuais pelo eleitorado.
Mas a discussão da proposta petista tem outro objetivo – disfarçado, independente do sucesso ou do provável fracasso da iniciativa e que é o mais importante para o principal articulador dela, o ex-presidente Lula. É que essa "reforma política" - a cujo debate ele busca conferir grande visibilidade e estender pelo maior tempo possível - poderá amortecer ou esvaziar a lembrança pela sociedade do megaescândalo do mensalão, no ano eleitoral de 2012 que coincidirá com o julgamento do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu e outras emblemáticas lideranças petistas, denunciadas pela Procuradoria Geral da República como integrantes de uma "quadrilha". O debate da proposta de financiamento público cumprirá - no cálculo do seu maior articulador - uma ou outra de duas funções que considera importantes. A mais ambiciosa: projetar a imagem de um petismo empenhado no combate à corrupção política, que seria promovida básica ou exclusivamente por grupos empresariais. E a função alternativa, mais modesta porém também útil: dar credibilidade à insistente retórica de Lula de reduzir o mensalão à "habitual" prática de "caixa 2" (que seria inviabilizada pelo financiamento público).
Na verdade, esse financiamento já existe em decorrência de crescentes gastos governamentais com o fundo partidário e, sobretudo, o custeio (sob a forma de isenção fiscal) às emissoras de rádio e televisão da caríssima propaganda eleitoral “gratuita”, bem como ao longo de cada ano dos programas da multiplicidade de legendas existentes. E a ampliação dele com verbas de estatais - como é defendido na referida proposta - agravará para uma escala abusiva o desvio e o desperdício de recursos públicos (desvio para finalidades eleitorais que, aliás, já é feito em escala bem menor pois ilegal, exemplificado por altos gastos da Petrobras com a promoção de múltiplos eventos populares nas duas últimas eleições presidencial e para os governos estaduais na Bahia e em Sergipe). Em face da evidência dessas distorções e dos velhos e novos escândalos de corrupção praticados nas três esferas do governo, sobretudo na federal, a instituição do financiamento público enfrenta forte questionamento da sociedade. E a insistência nesse sentido é atribuída ao fato de que a adoção dele facilitaria o objetivo prioritário da "reforma política" do PT: a lista partidária fechada de candidatos.
Outras preocupações da oposição, bem como de dirigentes do PMDB e de legendas não esquerdistas da base parlamentar do governo, diante da proposta dessa “reforma”, levam em conta resoluções de congressos petistas, inclusive dos mais recentes, em favor de mudanças constitucionais voltadas para a chamada "democracia direta" - plebiscitária e castradora do papel do Congresso, em benefício da ampliação do poder do Executivo - que inspira o autoritarismo da Venezuela de Hugo Chávez e os crescentes ataques à liberdade de imprensa pelo desbragado populismo dos Kirchners na Argentina.
Jarbas de Holanda é jornalista
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