quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Quando a crise encontrou Dilma:: Clóvis Rossi

Ao cobrar regulação do fluxo de capitais, a presidente está enfatizando a agenda correta para o G20

BRUXELAS - A crise no mundo rico, o fantasma que assombra Dilma Rousseff, materializou-se bem diante dela em Bruxelas: na pracinha em frente ao hotel Sheraton, em que a presidente se hospedou, todas as emissoras belgas de TV instalaram seus caminhões de externas, para não falar dos fotógrafos.

Não era para Dilma, no entanto, que apontavam as câmeras. Era para a sede central do banco franco-belga Dexia, em virtual estado de quebra. Segundo o jornal flamengo "De Tijd" (O Tempo), os clientes do banco retiraram, só na quarta-feira que Dilma passou no hotel em frente, algo em torno de € 300 milhões, por mais que o Banco Nacional da Bélgica anunciasse que os depósitos estavam "perfeitamente garantidos" e que, portanto, não havia nenhuma razão para retirá-los.

O "Monde" de ontem se lamentava: "Vinte anos depois do Crédit Lyonnais, a França conhece seu segundo desastre bancário. Os € 6 bilhões empregados em 2008 no salvamento público do Dexia foram pura perda".

Desconfio até de que Dilma tomou conhecimento dos problemas do Dexia antes de falar aos jornalistas que cobríamos a sua visita. Afinal, defendeu na entrevista controle do fluxo de capitais, cujos movimentos desenfreados "são fonte inesgotável de problemas".

Quem sou eu para discordar da presidente, ainda mais depois de ter passado os últimos muitos anos dizendo exatamente a mesma coisa? Bem-vinda, pois, ao clube, Dilma. Já temos companhias importantes. Ontem, no "Financial Times", Mohamed El-Erian (fundo Pimco de investimentos), um dos ícones dos tais mercados, escrevia que o estresse não está mais limitado à Europa: "Algumas instituições americanas também estão sob pressão, na medida em que as preocupações com o contágio amplificam o impacto deletério de uma desaceleração econômica e de fraquezas estruturais que persistem três anos após a última crise financeira global".

Mais: Angela Merkel, a chanceler alemã e, como tal, a mais poderosa figura europeia, também anunciou, como Dilma, que quer levar à cúpula do G20, dentro de um mês, a necessidade de "estrita" regulação dos mercados financeiros.

Ótimo. Mas é bom lembrar que tal regulação está na pauta do G20 desde sua primeira cúpula, faz três anos, e que até já se preparou um razoável cardápio de controles, elaborado pelo BIS (Banco de Compensações Internacionais, o banco central dos bancos centrais). Só não se aplicou ainda porque os governantes têm medo da reação da banca ao aperto dos parafusos soltos.

Parte do medo até se justifica: a crise de 2008/09 jogou areia nas engrenagens do sistema financeiro mesmo porque ninguém sabia direito que instituição tinha qual papel podre nos seus ativos e em que quantidade. Se os bancos fossem obrigados a separar mais capital para eventuais perdas -peça crucial de qualquer aperto regulatório- entraria mais areia nas rodas.

O caso do Dexia mostra que esse buraco negro continua aberto, o que levará muito governante a um excesso de cautela. De todo modo, ao deixar claro que o descontrole do sistema financeiro é a "raiz" dos problemas do momento, Dilma está enfatizando a agenda correta para seus pares do G20.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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