• Crise fiscal permanente destrói vocações no RS
- Valor Econômico
Virtual cemitério de vocações políticas, o Rio Grande do Sul, domicílio eleitoral da presidente Dilma Rousseff, pode começar a devorar este ano a senadora Ana Amélia Lemos (PP). Líder nas pesquisas de opinião para o governo estadual, Ana Amélia se tornará, caso ganhe, a algoz de Tarso Genro (PT), que tenta a reeleição. O petista se tornaria assim o sétimo governador gaúcho a perder as eleições estaduais, em uma sequência ininterrupta inaugurada por Jair Soares em 1986 e sem precedentes no país.
Ana Amélia é a única mulher que lidera sondagens para governos estaduais e a única aposta competitiva no País de sua sigla, herdeira da Arena e do PDS. Se de fato vencer, o polêmico presidente da sigla, senador Ciro Nogueira (PI), que ameaçou esta semana renunciar caso fique comprovado seu envolvimento com o escândalo da Petrobras, pode não continuar no cargo.
Cabelos pintados de loiro, sempre com roupas sóbrias, 69 anos, a senadora faz campanha prometendo enxugar a máquina pública, com a desenvoltura que treinou em seus quarenta anos de jornalismo, como uma Margaret Thatcher dos campos de cima da serra.
Para os professores, por exemplo a senadora manda um recado de forma direta e ríspida. Admite que os salários do magistério são "historicamente baixos", mas ressalva: "nunca se pode prometer o que não se pode cumprir. O meu compromisso é com a redução da despesa do Estado".
A crise fiscal gaúcha tornou-se crônica e, segundo o economista Luiz Augusto Estrella, da Fundação de Economia e Estatística, órgão que foi presidido por Dilma Rousseff no início dos anos 90, teve origem há mais de um século. Tudo começou na constituição republicana engendrada por Júlio de Castilhos, prócer morto em 1903 e que, à bala, desenhou um estado de inspiração positivista, com presença em todos os segmentos da vida econômica e social.
A expansão do serviço público ganhou impulso nos governos estaduais de Getúlio Vargas e Leonel Brizola e a máquina começou a se tornar insustentável nos anos 80, quando o estado lançou mão de títulos públicos para cobrir despesas correntes. "Hoje 53% da folha de pagamento é composta por inativos", reconhece a senadora.
Várias medidas de contenção de gastos e manobras de criatividade contábil já foram experimentadas no Estado de origem do secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin.
No governo de Alceu Collares (1991-1994), foi criado o sistema de caixa único do Estado, por meio do qual o governo pode lançar mão de recursos destinados até para precatórios para pagar despesas de diversas natureza. É uma medida que continua em vigor. Antonio Britto (1995-1998) fez a renegociação da dívida com o governo federal, se comprometendo com privatizações e isenções fiscais, suspensas no governo de Olívio Dutra (1999-2002). Rigotto (2003-2006) batalhou inutilmente pela renegociação da dívida e Yeda Crusius (2007-2010) prometeu choque de gestão e déficit zero. Sequer foi para o segundo turno.
Genro se beneficiou do aumento da arrecadação e aumentou a contribuição de inativos, mas nem assim desmontou a armadilha das restrições fiscais, apesar de ter administrado o Estado em uma fase de crescimento econômico. O PIB gaúcho aumentou em média 4,1% na gestão do petista. A arrecadação corrente gaúcha cresceu 23,5% durante o governo do petista, mas os gastos correntes aumentaram 37,1% entre 2010 e 2013.
O problema gaúcho é com a reeleição de seus governadores, e não com o PT. O eleitor médio de Ana Amélia é interiorano, com predominância feminina e de faixa etária mais alta. O de Dilma Rousseff no Estado também. Ana Amélia estava com 38% na pesquisa local Ibope de ontem e Dilma com o mesmo percentual na do Datafolha de seis dias atrás, oito a mais que Tarso Genro e acima também de sua média nacional. O eleitor gaúcho estabelece uma dobradinha que ignora o arranjo político de ambas, pelo qual Ana Amélia votará em Aécio Neves (PSDB) e Dilma em Genro.
A cientista política Silvana Krause, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) pensa que de uma maneira ou outra Ana Amélia e Dilma conseguem se apropriar de um espólio brizolista que ainda não teve liquidação no interior do Estado, o que não é o caso do governador.
"O trabalhismo não é uma herança da esquerda. No Rio Grande do Sul é um legado compartilhado por uma elite agrária. A Dilma sensibiliza este eleitor no interior, pelo seu passado brizolista e a Ana Amélia é a voz do agronegócio", diz Silvana. A senadora surpreende com elogios a Dilma para explicar o fenômeno.
"Dilma conseguiu mostrar as coisas que fez para o Rio Grande do Sul. Ela apoiou o pólo naval, a duplicação de rodovias federais e teve posição clara em relação à reforma do estádio Beira Rio. Nada disso foi associado ao governador. Além de tudo, ela fez uma ofensiva muito forte para ter o apoio dos prefeitos", disse.
Na hipótese de conviver com Dilma na presidência caso seja eleita governadora, Ana Amélia não demonstra fervor oposicionista. "Não acredito, pelo comportamento dela em relação ao Rio Grande do Sul, que vá haver problemas. Ela sempre agiu comigo de forma republicana, liberou as emendas parlamentares que fiz", diz.
A senadora também aposta em boa convivência com Marina Silva (PSB), caso ambas ganham as eleições que disputam. Desta vez, o fio condutor é o deputado Beto Albuquerque, candidato a vice na chapa da ex-ministra. O antigo titular da candidatura presidencial, Eduardo Campos, queria apoiar Ana Amélia. A aliança foi vetada por Marina, mas Ana Amélia não passa recibo. "A vida não pode ter condicionantes desta natureza. Vamos ter que trabalhar juntas para resolver os problemas nacionais", afirma. Marina obteve no Rio Grande do Sul 30% de intenção de voto, mesmo percentual atingido por Tarso Genro.
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