- O Globo
Havia um medo de que o Partido Trabalhista, quando assumisse o governo na Inglaterra, pudesse tomar medidas que ameaçassem a saúde da libra esterlina. Isso foi há muitos e muitos anos, no século passado. A primeira providência que o premier Tony Blair tomou foi aprovar a independência do Banco Central. Nos Estados Unidos, o Fed tem mandatos que não coincidem com os períodos presidenciais.
É comum um presidente do Fed atravessar governos de partidos diferentes e ninguém acha isso estranho. Banco Central serve ao Estado, persegue o mandato de defender a estabilidade da moeda e se submete aos poderes constituídos. Nos países onde eles têm autonomia, seus dirigentes são indicados pelo Executivo, aprovados pelo Congresso, a quem prestam contas de suas decisões e desempenho.
No Brasil, em pleno século XXI, um partido que está no poder há 12 anos faz esse tipo de truque de campanha e trata a autonomia do Banco Central como uma forma de entregá-lo aos banqueiros. Se acreditarem nisso no Planalto, é porque nada aprenderam nesse período. Se não acreditarem, é mesmo, como parece, apenas coisa de marqueteiro.
Henrique Meirelles, que havia presidido o Banco de Boston, foi fundamental para ajudar o governo Lula a afastar os temores em relação ao governo do PT. Lula não concedeu a autonomia de direito, mas na conversa que teve com Meirelles, quando o convidou para assumir o cargo, prometeu que ele teria autonomia de decisão. E, nos oito anos, toda vez que essa garantia foi ameaçada, Meirelles e Lula tiveram novas conversas e reafirmavam o compromisso assumido na primeira reunião, que foi mantida em Nova York.
Isso permitiu a Meirelles enfrentar de forma muito competente os efeitos de outra crise; a de 2008.
O exemplo contrário pode ser visto na Argentina. A presidente Cristina Kirchner revogou a independência do Banco Central quando demitiu Martín Redrado do cargo porque ele não quis respaldar a decisão da presidente de usar as reservas cambiais para financiar gastos do seu governo. A briga foi feia, teve até polícia enviada por ela para a porta do Banco Central para impedir que Redrado permanecesse na função. O resultado é que agora ela enfrenta uma crise externa, por causa da moratória, e não tem reservas cambiais suficientes para atravessar os piores momentos.
O Banco Central do Brasil tem tido autonomia concedida pelo presidente. Há governantes mais ou menos intervencionistas. Desde a estabilização da moeda, fica sempre uma dúvida se o Banco Central terá liberdade de fazer o que precisa ser feito no momento em que a inflação sobe. Essa dúvida obriga o BC a ter que provar que é autônomo, o que custa alguns pontos de juros a mais.
O melhor seria a autonomia, com mandatos dos dirigentes em prazos diferentes dos períodos presidenciais, e com diretores com prazos vencendo em datas diferentes. Todos, claro, referendados pelo Congresso e com a obrigatoriedade de uma prestação de contas ao Legislativo. Isso ajudaria o país a chegar mais rapidamente no centro da meta e procurar níveis mais baixos.
No atual governo, frequentemente há dúvidas sobre os limites impostos pela presidente Dilma ao Banco Central. A propaganda eleitoral do partido governista mostra uma visão tão primitiva sobre o tema que assusta. Tanto a regulação dos bancos quanto a política monetária não podem seguir qualquer orientação que não seja a do próprio BC. A autonomia do Banco Central não provoca a fome. É a inflação que ameaça os pobres. Não ter entendido isso é ter perdido a primeira lição do curso de estabilidade monetária.
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