O custo político, no Legislativo, das medidas do ajuste fiscal terá de ser ampliado para a votação esta semana na Câmara da MP 664, que reduz os benefícios da pensão por morte e do auxílio-doença, bem como para que o Senado confirme (nesta ou na próxima semana) a decisão dos deputados sobre restrições ao seguro-desemprego. Mais ampliado ainda, nas duas Casas, para o respaldo ao projeto do Executivo que altera (reduzindo substancialmente) a desoneração das folhas de pagamento de empresas. Na disputa de votos no Congresso em favor dessas medidas, dirigida pelo peemedebista Michel Temer e pelo ministro Joaquim Levy, à presidente Dilma cabe basicamente apenas, de um lado, formalizar a distribuição de cargos que garantam o “sim” dos parlamentares, e, de outro, endossar, não atrapalhando, o árduo trabalho de Levy na ob-tenção de apoio do mercado financeiro, interno e externo. Trabalho que ganha credibilidade ao incluir críticas aos objetivos intervencionistas e populistas e à irresponsabilidade fiscal do governo anterior. Críticas ignoradas, ou engolidas a seco, pelo Palácio do Planalto (pelo menos até a aprovação do ajuste nas duas Casas do Legislativo). Quanto à atuação direta da presidente junto ao Congresso tem-se limitado ao empenho para evitar uma rejeição do Senado ao nome que indicou, Luiz Fachin, para substituto de Joaquim Barbosa no STF.
A aprovação, à vista, das medidas do ajuste dependentes do Legislativo – mesmo que com ganhos financeiros bem menores que os buscados pelo ministério da Fazenda, e conseguida no contexto de agravamento do quadro recessivo e de crescente desemprego – afasta o risco de erosão de condições básicas de governabilidade do recém-iniciado segundo mandato Dilma. Assim estreitando muito o espaço político-institucional para a deflagração de um processo de impeachment da presidente, reclamado pela maioria da população. Cenário só reversível na hipótese de envolvimento direto dela no megaescândalo do petrolão, em crime de responsabilidade fiscal investigado pelo TCU, ou em financiamentos irregulares da campanha reeleitoral, investigados pelo TSE.
No plano especificamente político, as forças de oposição, à frente o PSDB (sem o descarte, ainda, dessa hipótese), e também o PMDB, além do PTB e do PDT, passam a centrar as perspectivas orgânicas e de alianças no esgotamento do lulopetismo. Tendo em vista completa contraposição a ele, no caso do PSDB. Para o PMDB, no cálculo de substituí-lo no comando do Palácio do Planalto, com a utilização, em fase transitória, da fragilidade (e dependência à legenda) do governo Dilma. E perspectivas semelhantes inspirando os projetos de fusão do PTB e do DEM e do PSB com o PPS, em resposta ao horizonte que vai se colocando de forte redução do número de partidos e com os objetivos de se distinguirem, os dois primeiros, por meio de uma oposição de centro-direita; os outros dois com base em propostas mais agressivas de centro-esquerda. E o PDT, ainda com o titular do ministério do Trabalho, prepara-se para deixar o governo e se contrapor ao petismo. Enquanto isso, no outro polo, o ex-presidente Lula aposta numa recuperação da economia após o ajuste fiscal e, até lá, usando seu prestígio pessoal e as bandeiras populistas de uma frente sindical e de “movimentos sociais” de esquerda, como o MST. Com o que buscará preservar-se do fracasso inicial do governo da sucessora e afilhada, bem como do desgaste do envolvimento do PT e do seu próprio nome nos novos escândalos de corrupção. Assim, ele espera re-verter ou atenuar a grande rejeição das camadas médias ao petismo e recompor relações com o empresariado e partidos de suas alianças anteriores, inclusive o PMDB, o que lhe possibilitaria construir uma candidatura competitiva em 2018. Utilizando, ademais, outra arma: a ambiguidade de contrapor-se através da CUT às restrições do ajuste a “direitos e conquistas dos trabalhadores”, ao mesmo tempo sustentando o governo Dilma.
E a economia depois do ajuste? – Artigo da jornalista Eliana Cantanhêde, no Estadão de domingo último, com o título “Ajuste ou desmanche?” (que me permito reproduzir em parte) faz um contraponto preciso entre os resultados do primeiro governo Dilma e as medidas do ajuste fiscal. Termina destacando que “a grande pergunta” (dos agentes econômicos e do conjunto da sociedade) “é: para construir o que no lugar?” (após os enormes custos para as atividades produtivas, o mercado de trabalho, os contribuintes, que estão sendo exigidos para a correção do descalabro fiscal). Trechos do artigo: “Do Fies ao modelo de exploração do pré-sal, tudo está implodindo”. “Até o Pronatec, um dos carros-chefe dos debates, dos programas de TV e do dia a dia da campanha da reeleição, está devagar. Com a crise na economia, dissimulada no limite da irresponsabilidade, Dilma só conseguiu pagar os subsídios das entidades privadas até outubro, mês da eleição.” “Dilma estufou o peito num pronunciamento em cadeia de rádio e televisão porque tinha decidido na marra a redução da conta de luz para residências e empresas. Patrões, empregados e eleitores em geral bem sabem o que aconteceu depois da eleição.” “Num outro pronunciamento oficial, a presidente se vangloriou da redução dos juros como nunca antes neste país e ainda estendeu um dedo ameaçador para os bancos privados, ordenando que eles fizessem o mesmo. E, afinal, onde foram parar os juros?” “O desastre afeta outro indicador importante, que ajudou muito o trabalho dos marqueteiros e foi importante para segurar o discurso e os votos da reeleição: o emprego. No entanto, segundo os dados oficiais, o desemprego já subiu para 7,9% no primeiro trimestre. Sabe-se lá onde isso vai parar.” Resposta possível à pergunta proposta por Eliane, responsável aliás pelos custos excessivos do ajuste fiscal: uma retomada do populismo eleitoreiro, na campanha do “volta Lula”.
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Jarbas de Holanda é jornalista
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