As quase 12 horas da sabatina a que Luiz Edson Fachin foi submetido pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado demonstraram, acima de qualquer dúvida, que a presidente Dilma Rousseff indicou para substituir Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal (STF) um competente advogado capaz de, em magnífica performance, defender a si mesmo de si próprio. Fachin conseguiu convencer 20 dos 27 membros da CCJ de que não tem relevância o fato de um fundamentado parecer da Consultoria Jurídica do Senado haver demonstrado que, ao exercer a advocacia privada mesmo depois de ter se tornado procurador de Justiça do Paraná em 1990, ele violou a Constituição estadual. Desse modo, perdeu a qualidade de ilibada reputação exigida pela Constituição Federal de todos os membros do STF.
A aprovação de sua indicação na CCJ foi uma decisão política de senadores dispostos a se deixarem convencer pelas explicações do candidato. Fachin atribuiu seu entusiasmo pelas transgressões do MST, sua simpatia pelo predomínio da “função social” da propriedade, sua identificação com o PT e outras manifestações de engajado “progressismo” que ilustram sua biografia ao fato de que “nem sempre acertamos” quando “tomamos caminhos, fazemos reflexões”.
Resta saber se a conveniente autocrítica perante a CCJ significa que o advogado habilidoso será capaz de se tornar um juiz imparcial na Suprema Corte. Infelizmente, não dá para acreditar nisso. A razão mais objetiva para a dúvida é a encenação montada para seu desempenho no Senado. Foi um minucioso trabalho de marketing político que envolveu, além das visitas protocolares do candidato a praticamente todos os senadores e a políticos com influência sobre eles, um amplo trabalho de divulgação da imagem e do “verdadeiro pensamento” de Fachin nas redes sociais, além de intenso treinamento, orientado por especialistas, envolvendo postura, tom e conteúdo das respostas a todas as perguntas delicadas que, sabia-se de antemão, lhe seriam feitas.
Fachin soube aliar a toda essa preparação uma inegável capacidade de comunicação e persuasão. Jamais elevou o tom de voz ou demonstrou incômodo ou irritação com interpelações impertinentes. Quando cabia, como foi o caso durante a leitura de seu depoimento de abertura, demonstrou emoção e voz embargada ao falar de seus pais. Soube, assim, na medida do possível, desarmar os espíritos e favorecer um clima quase sereno durante toda a sessão.
Uma coisa, porém, é a forma. Outra, o conteúdo. Por exemplo, questionado sobre restrições ao direito de propriedade, Fachin saiu pela tangente respondendo não o que pensa, mas o que prevê a Constituição: “O sistema a que nós devemos obediência no Brasil é aquele que prevê a propriedade como um direito fundamental e ressalva a propriedade produtiva”. Sobre invasões de terra, prática habitual do MST, garantiu, sem nomeá-los, que “esses movimentos sociais que se deturparam, obviamente, são movimentos sociais que merecem o rechaço da ordem jurídica”. Precisa dizer isso a seu amigo João Pedro Stédile.
Preocupado em evitar radicalizações e alinhar-se ao senso comum, Fachin defendeu a família “como base da sociedade”; condenou o aborto a partir de uma “posição pessoal de cristão, humanista”. E fez média com os parlamentares ao tratar do financiamento eleitoral: “Com todo o respeito à Corte Suprema: há certas circunstâncias em que o Supremo não deve atravessar a rua e, portanto, manter-se no lugar e dar primazia ao Parlamento”.
Recorreu à generalização para explicar seu “progressismo”: “Me considero alinhado com pessoas que querem o progresso do País, sou progressista nesse sentido, mas preservando direitos e os interesses privados, as liberdades individuais”. Quem pode discordar?
Para reforçar a garantia de que como magistrado não se pautará pelas controvertidas ideias que sempre defendeu, Fachin citou o sociólogo alemão Max Webber, que distinguiu a “ética da convicção” da “ética da responsabilidade”, para afirmar que esta última é que vai inspirar suas decisões, caso se torne ministro do STF. Fica no ar, contudo, a suspeita de que Luiz Edson Fachin fez, na verdade, uma opção pela “ética da conveniência” – com o aplauso da maioria da CCJ.
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