- O Estado de S. Paulo
O quadro que hoje nos é dado contemplar se compõe de duas partes nem um pouco edificantes. De um lado, uma crise econômica monstruosa – cuja duração ninguém de bom senso se atreve a prever –, em sua maior parte causada pela incompetência e pela arrogância da atual presidente, Dilma Rousseff, em seu primeiro mandato. Do outro lado, um sistema político em decomposição – fenômeno complexo, que vem de algum tempo, no qual, porém, as digitais de Lula e Dilma e do petismo são facilmente reconhecíveis.
Com tal quadro à nossa frente, o jeito é aguardar. Mas aguardar o quê, exatamente? Ou alguém acredita que uma recuperação de verdade – com probidade, competência, reformas estruturais sérias e uma real possibilidade de crescimento sustentável – esteja ao alcance da mão? Aguardemos, sim, mas sem grandes ilusões: a recuperação, quando vier, será morna, sofrida e humilhante; aquela a que o Brasil sempre pareceu condenado, e que não se vai alterar agora, após 13 anos de lulopetismo.
A verdade nua e crua é que a sociedade brasileira, apesar das manifestações e dos protestos de rua, continua politicamente paralisada. Tanto está que dias atrás, com o sol a pino, lhe aplicaram um passa-moleque: celebraram um acordo obsceno, apelidaram-no de negociação política e o esfregaram em nossas faces. A verdade, ia eu dizendo, permanece paralisada, catatônica, afundada num estado de profunda impotência. Não há outra explicação para o fato de nos mantermos adstritos a um debate aguado, tão estreito como estreitas são as perspectivas imediatas do processo político.
Sim, é certo: há uma preliminar a resolver. Uma preliminar chamada Dilma Rousseff. Renúncia ou impeachment? Se nem uma coisa nem outra, terá o Brasil reservas de energia para aguentar mais três anos de um governo desses?
Essas duas questões contêm 99% do debate que nos vem ocupando desde os primeiros dias de janeiro de 2015; enquanto isso, preocupados com a vertiginosa deterioração do quadro econômico e político nacional, temo-nos visto como que de mãos atadas, passivamente acompanhando o caminhar da vaca para o brejo.
Tivéssemos no Congresso Nacional pelo menos três ou quatro dúzias de parlamentares à altura das necessidades do momento, esse falso problema já estaria resolvido. Por que falso? Ora, pela boa e singela razão de que impeachment não é um processo estritamente criminal; adequadamente compreendido, é um processo institucional, uma providência que se impõe e uma decisão que se toma para preservar a saúde do organismo político.
Vejam os meus caros leitores e leitoras a arapuca em que certa interpretação ultralegalista nos aprisionou. Quando presidente, o sr. Fernando Collor de Melo abastardou em diversas ocasiões o espírito da Constituição da República e cometeu, por interposta pessoa, o sr. Paulo César Farias, um rosário de crimes. Sua queda, no entanto, somente se consumou porque ele não conseguiu explicar como se tornara proprietário de um Fiat Elba.
Venhamos à sra. Dilma Rousseff. Durante quatro anos, agindo contra o conselho de dez em cada dez economistas, ela se aferrou a uma política econômica alucinada, cujo resultado aí está à vista de todos. As consequências não poderiam ser mais claras: milhões de famílias brasileiras sofrendo com a perda de renda, a inflação e o desemprego. Por essa demência, o Congresso Nacional não tomará a decisão política de afastá-la; agirá, porém, em dez minutos, se ficar comprovado que foi a uma loja de bijuterias e enfiou um colar na bolsa, ou seja, se alguém encontrar a assinatura dela no pé de uma página na qual alguém tenha meticulosamente anotado quanto e como o dinheiro ilícito da Petrobrás foi parar em sua campanha.
Se o Congresso Nacional, na vigência do que denominei uma interpretação ultralegalista do impeachment, não pode agir – e nesse sentido tenho de lhe dar razão –, a alternativa é ela ser persuadida por quem de direito e optar pela renúncia. Não preciso lembrar que “quem de direito” atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva. Quem pariu Mateus que o embale.
Se nada disso acontece – e sendo a atual classe política o que é –, a alternativa é permanecermos manietados por nossa própria impotência, discutindo o sexo dos anjos? Ou retomarmos a busca para diversas questões verdadeiramente importantes que ficarão à nossa espera bem ali, no fim do túnel, quando avistarmos a luzinha bruxuleante da “recuperação”?
Primeiro, até onde a sociedade brasileira vai admitir que Lula et caterva a manipulem escancaradamente, lhe mintam sem ruborizar e a ameacem com a violência – lembrando que a alusão ao “exército do Stédile” foi a mais despudorada, mas de forma alguma a única dentre tais ameaças? Ou, sem ir tão longe, até quando tentarão de tudo para achincalhar a vida política e constitucional do País, e para o fazer calculadamente, pensando no proveito que a desmoralização pode render à sua “causa” (seja ela o que for)? De fato, no ofício de agredir as instituições, ninguém na História da República fez mais do que Lula: ninguém se colocou tão acintosamente acima do bem e do mal, ninguém foi tão sistemático no semear a cizânia e na tentativa de criar duas classes de cidadãos – os imputáveis e os inimputáveis, sendo ele, naturalmente, o nunca assaz louvado representante da segunda.
A verdade, caros leitores e leitoras, é uma só: não fossem o ministro Joaquim Barbosa e o juiz Sergio Moro, esse processo não teria sido sequer compreendido, muito menos denunciado, e menos ainda obstado, como espero que ocorra brevemente.
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Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor de ‘Tribunos, profetas e sacerdotes’ (Companhia das letras, 2014)
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