PF diz que PGR sabia da atuação de Miller para negociar delação
Ministério Público nega e sustenta que houve confusão com leniência
Jailton de Carvalho | O Globo
-BRASÍLIA- Relatório da Polícia Federal afirma que integrantes do grupo de trabalho da Operação Lava-Jato em Brasília sabiam que o ex-procurador Marcelo Miller estava atuando nas tratativas relacionadas aos acordos de delação premiadas dos executivos do grupo J&F, entre eles Joesley e Wesley Batista, pelo menos desde 6 de abril, um dia depois dele deixar o Ministério Público Federal para atuar como advogado.
Desde o primeiro momento, a PGR disse que Miller não atuou na delação, e que apenas apareceu no dia 11 de abril em uma negociação sobre o acordo de leniência. Miller também nega ter participado da delação. No relatório apresentado pela polícia, os atos citados dizem respeito ao acordo de leniência.
No relatório, a Polícia Federal informa que Miller passou a colaborar com os investigados antes mesmo de deixar o Ministério Público Federal. O exprocurador teria dado orientações aos delatores sobre como proceder diante de Sérgio Bruno. Logo depois de sair do Ministério Público, Miller teria entrado num grupo no Whatsapp formado pelos irmãos Batista, por Franciso de Assis, Fernanda Tórtima e Ricardo Saud, diretor de Assuntos Institucionais da J & F.
ORIENTAÇÕES PARA DELATAR
Com base nestas e em outras informações sobre Miller, os quatro delegados autores do relatório põem em xeque o acordo de delação dos executivos da JBS. “Assinala-se que todas essas orientações, ora na qualidade de procurador da República, ora já como advogado, determinaram o resultado da delação visto afirmação do próprio advogado dos irmãos Batista de que em 07.04 houve um pré-acordo com a aceitação pela PGR das condições impostas por esses investigados, em especial, a imunidade”. Apesar de no relatório a PF dizer que a participação de Miller impactou toda a delação, os procuradores dizem que a PF não tem qualquer prova a respeito.
No relatório sobre os pedidos de prisão dos irmãos Batista na Operação Tendão de Aquiles, a polícia diz que uma troca de mensagens entre os advogados Francisco de Assis e Fernanda Tortima, responsáveis pela defesa dos dois delatores, seria o indício de que auxiliares do procurador-geral Rodrigo Janot sabiam das supostas manobras de Miller nas negociações do acordo de delação premiada.
“Tais mensagens revelam que membros da Procuradoria-Geral da República tinham ciência de que Marcelo Miller estava atuando de forma indireta nas negociações da colaboração premiada no dia seguinte à sua saída efetiva do órgão”, diz documento de 82 páginas assinado pelos delegados Victor Hugo Rodrigues Alves Ferreira, Edson Garutti, Melissa Maximino Pastor e Karina Murakami Souza.
Na troca de mensagens pelo Whatsapp, Francisco de Assis e Fernanda Tórtima falam sobre uma viagem que Miller faria aos Estados Unidos no dia seguinte à conversa, provavelmente 5 de abril, logo depois de deixar o Ministério Público, para tratar do acordo de leniência da JBS com o Departamento de Justiça (DOJ) americano.
Para investigadores do grupo de trabalho, os delegados da Polícia Federal fizeram uma confusão entre leniência e delação premiada. Isto teria ocorrido porque, na avaliação desses investigadores, mais uma vez, a PF teria ficado de fora do acordo de delação premiada.
PARTICIPAÇÃO EM REUNIÕES
Confrontado com os trechos do relatório, investigadores argumentam que os advogados fazem referências exclusivamente ao acordo de leniência, negociado com a Procuradoria da República no Distrito Federal, e não com a Procuradoria-Geral da República. Pela lei, o acordo de delação teve que ser negociado diretamente com a equipe de Janot, uma vez que entre os delatados estavam pessoas com foro privilegiado, entre eles o presidente Michel Temer. O acordo de leniência, por lei, é atribuição da primeira instância.
— Não quero crer que as conclusões desse relatório tenham algo a ver com as pretensões relativas à competência da Polícia Federal para celebrar acordo de delação — disse Janot, ao ser informado sobre o conteúdo do relatório em que delegados fazem insinuações a dois investigadores do grupo de trabalho da Lava-Jato.
Marcelo Miller anunciou no fim de fevereiro que deixaria o Ministério Público para trabalhar na iniciativa privada. A portaria formalizando a exoneração é de 4 de março, as, por problemas burocráticos, só foi publicada no Diário Oficial de 5 de abril. Pouco antes da confirmação da exoneração, ele teria até pressionado pela publicação da portaria com o argumento de que viajaria para os Estados Unidos. Numa conversa com um colega, chegou a dizer que, durante a viagem, seria informado sobre o nome do primeiro cliente que defenderia. Até então, sabia-se que ele iria trabalhar no Trench, Rossi e Watanabe, escritório que, logo depois, ficaria responsável por negociar a leniência da JBS.
Investigadores explicam ainda que Marcelo Miller tentou, por duas vezes, participar de uma reunião com Sérgio Bruno e outros integrantes do grupo de trabalho na Procuradoria-Geral, mas não obteve sucesso. Na primeira reunião, em 11 de abril, Sergio Bruno pediu ao ex-procurador se retirar da sala porque o local seria reservado a discussão sobre acordo de colaboração. Miller não poderia participar porque já tinha trabalho no grupo de trabalho da Operação Lava-Jato.
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