Carro de Marielle Franco, quinta candidata mais votada em 2016, foi perseguido e alvejado nove vezes
A vereadora Marielle Franco, do PSOL, de 38 anos, foi morta a tiros por volta de 21h30m, no Estácio. Líder da Maré e quinta mais votada do Rio em 2016, ela ia para casa, na Tijuca, após debate com mulheres na Lapa. O carro em que estava foi perseguido e fechado por outro veículo, com dois homens, que fizeram ao menos nove disparos. Marielle e o motorista Anderson Gomes morreram no local. A assessora que ia no banco de trás ficou levemente ferida. “Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”, tuitou Marielle na véspera do crime.
Uma noite brutal
Vereadora do PSOL e motorista são perseguidos e assassinados no Estácio
Luã Marinatto, Rafael Nascimento e Carina Bacelar | O Globo
Quinta vereadora mais votada da cidade nas eleições de 2016, Marielle Franco (PSOL), de 38 anos, foi assassinada ontem, por volta das 21h30m, dentro de seu carro, um Chevrolet Agile Branco, no Estácio, quando ia para casa, na Tijuca. Após uma perseguição de alguns metros, dois homens, em outro carro, fizeram pelo menos nove disparos contra o veículo em que estava Marielle. O motorista da vereadora, Anderson Pedro Gomes, que seria funcionário da Câmara Municipal, também foi morto. Criada na Maré, ela costumava contar que começou na militância ao ingressar em um pré-vestibular comunitário, após ter perdido uma amiga vítima de bala perdida num tiroteio entre policiais e traficantes. Formada em sociologia pela PUC, Marielle, que tem uma filha, fez mestrado em administração pública na Universidade Federal Fluminense (UFF). A polícia ainda não tem pistas sobre a motivação do crime, mas, no fim da noite de ontem, muitos amigos e políticos já falavam numa possível execução.
A notícia da morte da vereadora causou comoção entre políticos, ativistas e intelectuais. Ana Paula Lisboa, que escreve uma coluna no GLOBO, tinha acabado de estar com Marielle na Lapa, onde a vereadora participou do seminário “Jovens negras movendo as estruturas”, que começou por volta das 18h.
— Ela sempre termina os eventos até as 21h para garantir a segurança das pessoas, muitas vão para a Zona Oeste, lugares mais distantes. Hoje (ontem) mesmo ela falou isso — disse Ana Paula, sem conter as lágrimas, ao tomar conhecimento da morte da amiga, que era uma idealista. — Ela sempre disse que o mandato não era dela, era coletivo. Hoje (ontem), estávamos num evento dentro da programação dos 21 dias de ativismo contra o racismo.
Uma assessora parlamentar de Marielle também estava no carro, mas não foi ferida. Em estado de choque, ela só chorava, não conseguia falar. O crime aconteceu na Rua João Paulo I, perto da esquina com a Rua Joaquim Palhares, quase em frente ao posto do Detran. Normalmente, acontecem blitzes da Lei Seca naquele ponto. O local fica a cerca de um quilômetro do Centro Administrativo São Sebastião, sede da prefeitura do Rio, e perto do Hospital Central da PM.
O deputado Marcelo Freixo e o vereador Tarcísio Motta, ambos do PSOL, foram às pressas para o local do crime. Em nota, o partido classificou o crime de “hediondo” e afirmou que exigirá apuração rigorosa. Presidente da Comissão de Defesa da Mulher da Câmara e relatora da comissão de acompanhamento da intervenção, a vereadora era o nome mais cotado para ser vice na chapa de Tarcísio ao governo do estado.
— Estamos todos atordoados, não sabemos o que aconteceu. Estive com ela hoje (ontem), nos reunimos com moradores da Vila Kennedy, mas ela não mencionou qualquer tipo de ameaça — disse Tarcísio.
PELAS REDES SOCIAIS, MANIFESTAÇÕES DE DOR
Na semana passada, Marielle Franco denunciou uma ação de policiais do 41º BPM (Irajá) na Favela de Acari. Segundo ela, moradores reclamaram da truculência dos PMs durante abordagens a moradores. Ela compartilhou uma publicação em que comenta que dois jovens da comunidade foram jogados em um valão. De acordo com moradores, no último sábado, policiais invadiram casas, fotografaram suas identidades e aterrorizaram quem passava pelo entorno.
As circunstâncias da morte de Marielle levantaram a suspeita de crime encomendado. Um dos que comentaram a possibilidade foi o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), que afirmou haver características de execução:
— É chocante, trágico, um absurdo. Não pode ser mais um daqueles 90% de homicídios que ficam sem qualquer apuração.
Parlamentares de vários partidos lamentaram o assassinato de Marielle. O deputado Luiz Paulo (PSDB) lembrou que ela era uma “vereadora combativa e humana”:
— Participava de todas as lutas populares. Inaceitável um crime tão brutal.
O fato de o assassinato ter ocorrido tão perto da sede administrativa da prefeitura do Rio e num momento em que o estado se encontra sob intervenção federal na segurança foi observado pelo vereador Paulo Pinheiro, do mesmo partido de Marielle:
— Como acontece um caso desses ao lado da prefeitura de uma cidade que está sob intervenção?
Pelas redes sociais, também houve várias manifestações de políticos. Pré-candidata à presidência pelo PCdoB, a deputada estadual gaúcha Manuela D’Ávila escreveu: “Chocada e triste com o assassinato da vereadora do PSOL no Rio, Marielle Franco. Apuração já!
Ninguém vai calar as mulheres que lutam, Marielle. Meu abraço à família e aos companheiros e companheiras do PSOL”. Já a deputada federal Jandira Feghali, que concorreu à prefeitura pelo PCdoB em 2016, declarou que estava “extremamente chocada com a notícia da morte” de Marielle. “Uma menina empoderada, com brilho próprio, repleta de sonhos e vereadora com um ano de trabalho.
É difícil de acreditar. Força aos seus familiares, amigos e companheiros de jornada do PSOL 50. Tristeza demais”, escreveu. O deputado estadual Carlos Minc (sem partido) também lamentou: “Horror! Tristeza! Combativa vereadora Marielle Franco (PSOL) assassinada a tiros em carro no Estácio. Domingo ela denunciou brutalidade policial no Irajá. Sempre a encontrava cheia de alegria em atos políticos, paradas LGBT, no Circo, na Fundição! Arrasado. Viva Marielle”. O senador petista Lindbergh Farias também escreveu sobre a morte de Marielle em sua página no Twitter: “Com o coração cheio de tristeza”.
Em nota oficial, a Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República disse que o governo federal acompanhará a apuração do assassinato de Marielle e do motorista que a acompanhava. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, falou ontem à noite com o interventor federal no estado, general Walter Braga Netto, e colocou a Polícia Federal à disposição para auxiliar no caso. No fim da noite, o prefeito Marcelo Crivella divulgou uma nota: “É com profundo pesar que lamentamos o brutal assassinato da vereadora Marielle Franco, cuja honradez, bravura e espírito público representavam com grandeza inigualável as virtudes da mulher carioca”.
Quase no mesmo horário do assassinato de Marielle, um homem foi morto no Cachambi, em frente ao filho de 5 anos, durante uma tentativa de assalto. O crime ocorreu na Rua Honório, uma das principais do bairro. Segundo testemunhas, criminosos que estavam em uma Pajero renderam Cláudio Henrique Costa Pinto, de 43 anos, empresário do ramo de transporte. Policiais do 3º BPM (Méier) trocaram tiros com os bandidos, que fugiram.
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