Por duas semanas seguidas, os deputados esticaram o trabalho e se reuniram para votar numa sexta-feira. O surto de produtividade nada teve a ver com a pandemia. O objetivo era despachar o aloprado Daniel Silveira e evitar novas prisões de parlamentares.
Assim
que a cabeça do bolsonarista foi entregue, a Câmara passou a discutir a chamada
PEC da Imunidade. A proposta muda a Constituição para reforçar a blindagem de
deputados e senadores. Com a regra atual, prender um congressista é muito
difícil. Com a nova, passaria a ser uma missão impossível.
O
articulador da ideia foi o novo presidente da Câmara, Arthur Lira. Em defesa da
mudança, ele disse que “proteger o mandato é garantir que os parlamentares
possam enfrentar interesses econômicos poderosos ou votar leis contra
organizações criminosas perigosas”.
O
deputado não é conhecido por contrariar empresários ou combater quadrilhas. Ele
responde a duas ações no Supremo, por corrupção passiva e organização
criminosa.
Discípulo de Eduardo Cunha, Lira se inspirou no mestre e tramou uma aprovação a toque de caixa. Na terça, seus aliados começaram a recolher assinaturas para apresentar a proposta; na quinta, o texto estava pronto para votação em plenário.
Pelo
rito tradicional, toda PEC precisa passar pela Comissão de Constituição e
Justiça e por uma comissão especial. O presidente da Câmara pulou as duas
etapas, mas não conseguiu consumar o tratoraço.
Na
sexta, o deputado admitiu, a contragosto, que não tinha os 308 votos
necessários para mudar a Constituição. Ele se disse “muito triste e
preocupado”, com as críticas à emenda. “Essa não merece ser chamada PEC da
Imunidade. Deveria ser chamada PEC da Democracia”, reclamou. Lira foi generoso
com a própria obra. Outros parlamentares preferiram acrescentar um P,
rebatizando-a de PEC da Impunidade.
O
chefe do Centrão usou um argumento fajuto para proteger os colegas na mira da
polícia. A Constituição afirma que os congressistas são invioláveis por
“opiniões, palavras e votos”. O texto foi redigido para defender a democracia e
o livre exercício dos mandatos. Não pode ser usado como escudo para a prática
de crimes.
Se
a proposta de Lira já estivesse em vigor, o deputado Daniel Silveira não teria
sido preso e a deputada Flordelis não teria sido afastada por ordem da Justiça.
Ela é acusada de mandar matar o marido, executado com 30 tiros em Niterói.
A
pastora foi denunciada por homicídio triplamente qualificado, associação criminosa,
falsidade ideológica, uso de documento falso e tentativa de homicídio por
envenenamento. Ela se tornou ré há seis meses, mas escapou da prisão preventiva
graças à imunidade parlamentar.
O marido de Flordelis foi assassinado em junho de 2019. O Conselho de Ética da Câmara só instalou um processo disciplinar contra ela na terça passada, como parte do teatro para justificar a votação da PEC. Lira foi obrigado a recuar, mas já deixou claro que não desistiu.
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