O
Estado empresário falha como Estado e como empresa
Em
função da substituição
do presidente da Petrobras, várias perguntas têm vindo à tona. Faz
sentido o Estado ter empresas? Ter sócios? Subsidiar o preço dos combustíveis?
Reina
no Brasil enorme confusão sobre o papel do Estado e das empresas na organização
da sociedade. Ao Estado o cidadão delega responsabilidades que incluem da
definição de regras de convivência social à provisão de bens e serviços.
Para
cumprir seu papel, o Estado tem várias opções: contratar pessoas e atuar
diretamente; contratar empresas privadas; criar empresas, com ou sem sócios
privados, com ou sem controle acionário e contratar organizações privadas sem
fins lucrativos.
Algumas
funções são indelegáveis: administrar o Estado, fazer leis, julgar, ter
Exército e polícia me parecem casos claros.
Em
muitas áreas, a contratação de empresas privadas pelo Estado faz todo sentido.
Empresas são organizações que visam maximizar o seu valor, através da geração
de lucros ao longo do tempo. Para tanto, buscam minimizar custos e inovar.
Existem
razões adicionais para que o Estado não seja dono de empresas. A propriedade
cria a tentação da oferta de vantagens a seus clientes,
funcionários e fornecedores, não raro em troca de propinas, de motivação
política ou meramente patrimonial. Pensem no caso de um banco: empréstimos
baratos para aliados, contratos de propaganda com amigos, salários acima de
mercado...
Visto
por outro ângulo, empresas públicas podem praticar formas disfarçadas de gasto
público, que não constam de orçamento, um atentado à democracia e à boa prática
econômica. Não deve causar surpresa que os beneficiários dessas benesses sejam
contra a privatização.
Em
alguns casos, por razões genuinamente estratégicas ou mesmo políticas, o Estado
pode querer algum grau de controle sobre os destinos de uma empresa
privatizada. Por exemplo, eu não venderia uma das grandes estatais restantes
para uma estatal de outro país ou mesmo para uma única empresa privada.
Neste
caso, é possível a adoção de um modelo de capital pulverizado, sujeito à
criação de uma ação especial (uma “golden share”) que impediria a concentração
exagerada do controle da empresa e daria ao governo veto sobre certas matérias.
Minha
conclusão, amplamente amparada pela história do Brasil, é de que apenas sob
condições muito raras o Estado deve ser dono de empresa. A perda de eficiência
e os riscos de desvios de objetivos são muito grandes e desnecessários. O
Estado empresário falha como Estado e como empresa.
Em
tese, a existência de acionistas minoritários poderia inibir alguns dos desvios
e problemas apontados acima. Na prática não tem sido o caso, como se viu no
extraordinário caso do petrolão e no ruinoso uso da
Petrobras para reduzir os preços dos combustíveis.
O
artigo 238 da Lei das SA dá alguma cobertura ao uso de empresas estatais para
objetivos não econômicos (a função social). No entanto, com a Lei das
Estatais, o Estado passou a ser obrigado a ressarcir os gastos não
econômicos de suas empresas, que agora disputam espaço no orçamento. A
transparência aumenta as chances de que as prioridades públicas serão
respeitadas e ajuda a minimizar as chances de corrupção. Esta lei representa um
avanço, mas blindagem plena, só com venda de controle.
De
qualquer forma, subsidiar o preço de commodities parece fazer pouco sentido.
Por que não subsidiar outros preços na economia? No caso, em função das
notórias externalidades negativas do uso de combustíveis fósseis, parece ainda
menos recomendável o subsídio. Essa tentação seria bem menor não fosse o Estado
o controlador da Petrobras.
Há
casos em que a contratação de empresa privada pode não atingir seus objetivos.
Em artigo de 1998, o professor Andrei Shleifer, de Harvard, lista condições para
tal, com destaque para as dificuldades de se monitorar o impacto das economias
de custos sobre a qualidade do serviço.
Nesse
caso, existe um espaço a se explorar pela via das organizações privadas sem
fins lucrativos (OSs aqui no Brasil, por exemplo). As OSs podem equilibrar
custos e benefícios dos modelos estatal e privado. Evidências preliminares
no setor de
saúde no Brasil mostram resultados bastante díspares, mas os
casos de sucesso sugerem que essa pode ser uma boa alternativa.
Outras
áreas merecem experimentos privados, com ou sem fins lucrativos, como por
exemplo a educação, onde também há problemas de avaliação de desempenho. Cabe
estudar melhor o assunto, o que requer maior acesso a dados, para monitoramento
e avaliação adequados.
Muitos,
inclusive eu, defendem que parte do nosso frustrante ritmo de desenvolvimento
decorre de mecanismos políticos que levam à captura do Estado por grupos de
interesse —uma “privatização do Estado”. Defendi aqui a desestatização de
empresas públicas e mistas e de algumas atividades de interesse público (que
fique claro que o financiamento de áreas cruciais como educação e saúde devem
seguir na conta do Estado).
Ou seja, é hora de reestatizar o Estado e privatizar as empresas públicas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário