Covid
já matou mais de 250 mil e o risco permanece num país emperrado e sem rumo
O Brasil completa um ano de pandemia e dois anos e dois meses de desgoverno, com a economia emperrada, o maior desemprego em oito anos, mais de 250 mil mortos pela covid-19 e um processo de vacinação confuso. Mas confusão é a regra. O ministro da Saúde acaba de mandar para o Amapá vacinas destinadas ao Amazonas e vice-versa. O presidente da República anunciou a demissão do presidente da Petrobrás, depois de ameaçá-lo por haver ignorado seus aliados caminhoneiros. Fevereiro termina com hospitais lotados na maior parte das capitais e recordes de mortes pelo coronavírus. Nos últimos dias houve de novo aglomeração no Palácio do Planalto. O setor público está superendividado e seus financiadores mostram-se nervosos. Há alguma perspectiva de melhora a partir desse balanço?
Apesar de lenta e mal planejada, a vacinação é o fato mais promissor, neste momento. Favorecida pela negligência federal e pela inconsequência de irresponsáveis, a pandemia continuará matando quase sem freio por muito tempo. Mas o avanço da imunização poderá trazer alguma segurança para os negócios. A normalização, no entanto, será o retorno à submediocridade anterior à pandemia. A economia poderá crescer 3% ou pouco mais em 2021, segundo as projeções do mercado. Depois, se nada atrapalhar, ficará limitada a um potencial de crescimento em torno de 2,5% ao ano. Mas nada disso está assegurado.
Março
vai começar com o governo central ainda sem Orçamento aprovado. O projeto
continua no Congresso, à espera de votação, mas esse nem é o maior problema. A
meta fiscal deste ano é um déficit primário limitado a R$ 247,1 bilhões. Nos 12
meses terminados em janeiro o resultado foi um buraco de R$ 776,44 bilhões. As
condições econômicas e sanitárias deste ano devem permitir, espera-se, um saldo
muito melhor, mas a evolução da epidemia continua incerta, assim como o ritmo
da atividade.
O
ministro da Saúde virou tema de piadas, há muito tempo, e a sustentação da
retomada vai depender, em primeiro lugar, de um consumo mais vigoroso. Para
isso – e para evitar uma catástrofe social – será preciso ressuscitar, embora
em escala menor, a ajuda emergencial encerrada em dezembro. Isso custará uns R$
30 bilhões, talvez mais, e o governo terá de pensar numa contrapartida, de
preferência algum corte de gasto.
Na
sexta-feira essa contrapartida era ainda incerta. Um dia antes o secretário do
Tesouro, Bruno Funchal, havia advertido: sem a compensação, poderá diminuir a
confiança no compromisso de recuperação fiscal, com piora da avaliação de
risco, aumento dos juros e novos entraves à recuperação da economia e do
emprego.
Credibilidade
ganha importância extraordinária quando se tem de administrar um débito enorme.
Em janeiro, a dívida bruta do governo geral – da União, dos Estados e dos
municípios, somados ao INSS – chegou a R$ 6,67 trilhões, 89,7% do produto
interno bruto (PIB) estimado pelo Banco Central (BC). Nos países emergentes e
de renda média, a relação dívida/PIB deve andar em torno de 62%, de acordo com
o Fundo Monetário Internacional. No Brasil, o governo central é responsável
pela maior parte do endividamento e isso torna crucialmente importante a sua
confiabilidade.
Mas
falta saber qual pode ser a contrapartida. A PEC emergencial em exame no Senado
autoriza a retomada do auxílio sem a limitação do teto de gastos. A compensação
poderia vir de uma contenção das despesas com pessoal e/ou do fim da vinculação
constitucional de verbas para educação e saúde. Houve resistência, entre
senadores, às duas soluções e o relator desistiu da segunda.
A
desvinculação é debatida há mais de 20 anos, como forma de conferir maior
flexibilidade ao Orçamento. Mas é preciso muito cuidado ao tratar de educação e
saúde. A cautela é ainda mais necessária quando o governo tem uma folha corrida
tão desastrosa nas duas áreas. Não houve, desde janeiro de 2019, um ministro da
Educação digno desse título e deve ser muito difícil encontrar, na História
republicana, um ministro da Saúde tão inepto quanto Eduardo Pazuello. Mas o
responsável principal pelos desastres nos dois setores é mesmo o presidente
Jair Bolsonaro.
Até
o caminho da retomada neste ano, portanto, continua enevoado. O ministro da
Economia, submetido ao regime de humilhações e afagos por seu chefe, foi
incapaz, até agora, de apontar soluções para a sustentação do crescimento e de
manejar os instrumentos necessários para combinar a reanimação econômica e o
ajuste das contas públicas.
Enquanto o governo derrapa, o mercado financeiro oscila, o dólar continua muito mais caro do que seria possível se houvesse menos incerteza e o câmbio segue pressionando a inflação. Os preços por atacado, com alta de 3,28% em fevereiro e 40,11% em 12 meses, segundo o IGPM-FGV, permanecem como um sinal de alerta para o perigo inflacionário. Se o risco se agravar, o BC poderá ser forçado a elevar a taxa básica de juros, o único estímulo ainda mantido por um órgão federal. Anarquistas podem ter alguma razão, mas de vez em quando um pouco de governo é indispensável.
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