Henrique
Gomes Batista / O Globo
SÃO
PAULO - Monica de Bolle, pesquisadora da Universidade Johns Hopkins e do
Peterson Institute, ambos em Washington (EUA), acredita que a vacinação
desigual amplia as dificuldades de recuperação econômica de países emergentes,
com muitos isolados da indústria do turismo, por exemplo. A economista
brasileira, que se especializou em imunologia genética pela Universidade de
Harvard e integra o Observatório Covid, alerta que o risco é global: ao ficar
sem vacinas, países mais pobres podem favorecer que mais mutações surjam,
ameaçando todo o planeta. Para o Brasil, contudo, prevê um cenário ainda pior,
com a ampliação do debate ambiental somado ao sanitário.
Efeito
Bolsonaro: Intervencionismo do governo dificulta atrair investimento para
projetos de infraestrutura
A
economia será impactada pelos diferentes ritmos de vacinação entre os países?
As
diferentes velocidades de aplicação da vacina no mundo certamente geram um
cenário de risco de defasagens de recuperação em alguns países. Todos os países
atrasados na vacinação correm o risco de estagnação, ou de uma recuperação
muito aquém do que poderia ser com a vacinação no mesmo ritmo dos países
desenvolvidos. Alguns devem sofrer consequências diretas, internas, e também
externas. A atividade turística será prejudicada nessas nações, afetando a
economia.
Isso
pode gerar mais pobreza e desigualdade?
A
ampliação da desigualdade entre os países já está ocorrendo, pela diferença na
velocidade da vacinação. Há o risco do aumento da pobreza relativa pelo mundo.
Mas, na verdade, essa defasagem de vacina coloca em risco a saúde e a economia
do mundo inteiro.
Como
assim?
A epidemia descontrolada em alguns países amplia a chance de surgimento de novas variantes do vírus. Isso coloca em risco o mundo inteiro. Não adianta Israel se vangloriar que vacinou todos e no Egito, digamos, o vírus siga descontrolado.
E como
está o Brasil?
O
Brasil, hoje, está entre os países atrasados na vacinação que terão uma
recuperação mais lenta. Isso devido à incrível falta de visão do governo, que
poderia ter articulado mais vacinas.
A
questão ambiental se soma à saúde em como o Brasil é visto?
Há
a perspectiva de que vamos sair da pandemia aguda para entrar na pandemia
crônica. Ou seja, vamos ter debates sobre atualização de vacinas, fluxo de
novas cepas. E haverá a preocupação do surgimento de novos vírus. E aí entra a
questão do meio ambiente. Quanto mais a gente entra nos habitats naturais, onde
estão os repositórios naturais destes vírus, mais a humanidade fica exposta, de
modo geral, ao contato de novos vírus. As atenções, em relação ao Brasil, vão
estar cada vez mais voltadas ao desmatamento na Amazônia. Não se trata apenas
de uma questão climática, tem a questão pandêmica. Está cheio de repositório
viral na Amazônia. O Brasil será visto não apenas como um país que não
conseguiu controlar sua pandemia, atrasou na vacinação, mas como um país que
está colocando o resto da Humanidade em risco, se continuar com as atuais
políticas ambientais.
Na
Europa está forte o debate sobre a criação de passaportes de vacinação. Isso
pode afetar os países atrasados?
É
inevitável. Não há a menor dúvida de que viagens internacionais estarão
condicionadas a carteiras de vacina, assim como já ocorre hoje com a vacina da
febre amarela. E, com a falta de vacina por problemas de planejamento, o
isolamento do Brasil tende a ser maior, inclusive maior isolamento comercial.
É
possível vacinação mais igual?
Há
uma chance: acredito que, por volta de julho e agosto, vamos ter uma ideia
melhor de quantas doses de vacina irão sobrar nos países ricos. Então
provavelmente haverá uma reordenação destas vacinas, o que pode suprir um pouco
essa defasagem de doses em muitos países emergentes.
Este é o
cenário positivo. Há chances de o ritmo de vacinação piorar?
Sim.
As vacinas dos países desenvolvidos usam um pedaço da proteína spike do vírus, não o vírus
inteiro. E as mutações que temos visto até o momento alteram justamente esta
proteína. Se surgir uma cepa com mutações a ponto de requerer uma atualização
das vacinas, estamos falando de todas as vacinas dos países ricos. A possível
exceção é a das vacinas de vírus inativado, que usam o vírus inteiro e podem
ter uma resposta melhor a mutações da proteína spike. Entre elas estão a Coronavac e as vacinas
indianas. Se elas se saírem melhor, o mundo inteiro pode, enquanto estiver
atualizando suas vacinas, ficar dependente da China e da Índia, atrasando toda
a vacinação global e gerando uma nova disputa por imunizantes. Mas é uma
hipótese.
Trump
piorou a coordenação internacional da pandemia?
Sem
Donald Trump, a cooperação internacional seria melhor, não só devido à sua
posição negacionista, mas por ter retirado os EUA da Organização Mundial da
Saúde (OMS), que perdeu recursos. Agora, se Trump não fosse presidente dos EUA,
o mundo estaria cooperando lindamente? Não. Nessas horas os países ficam com a
mentalidade de cada um por si, a vacina vira uma questão de política interna, não
tem jeito. Agora China, Índia e Indonésia estão ampliando a doação de vacinas.
Não tenho dúvida de que estes países vão ganhar espaço geopolítico.
A
pandemia gerou o debate mundial de que ter uma cadeia de fármacos própria é
algorelevante e estratégico?
Sim, este debate está na ordem do dia. Aqui nos EUA, por exemplo, há uma enorme preocupação para que o país tenha a capacidade de produzir tudo relacionado à vacinação e à pandemia, inclusive máscaras, que hoje vêm da China. É uma cadeia enorme. E as coisas mais básicas, como seringa, tubo de ensaio, luvas, estava tudo direcionado para a importação da China e da Índia. Máscaras agora são vistas como item necessário para a segurança nacional.
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