Mais
uma vez, Bolsonaro invocou o espectro do golpe de Estado. Ele preparou um
elaborado roteiro de ações e respostas que pode resultar em mais uma ameaça às
instituições democráticas.
O
roteiro tem seu primeiro ato na live do dia 11 de março. Nela Bolsonaro acusa
governadores e prefeitos de tomarem “decisões absurdas” sobre o isolamento
social, que equivaleriam a um estado de sítio, uma grave subtração do direito
de ir e vir. Bolsonaro lembra em seguida que é a pessoa mais importante na
cadeia de comando e avisa: “Não podemos deixar isso acontecer! Faço o que o
povo quiser. Devo lealdade ao povo. Eu sou o chefe supremo das Forças
Armadas!”.
Nos
dias seguintes, meios bolsonaristas passam a divulgar vídeos com trechos da
live dizendo que “Bolsonaro deu a senha”, que, se “o povo” pedir uma
intervenção militar, Bolsonaro vai atender.
Manifestações são chamadas para o domingo (14) e a segunda (15), no centro das cidades e em frente aos quartéis, mas sem o apoio dos grandes canais e dos grandes influenciadores monitorados pela Polícia Federal no inquérito dos atos antidemocráticos.
As
manifestações não são muito significativas, mas tampouco são inexpressivas.
No
começo da semana, no cercadinho, questionado sobre o que tinha achado dos
protestos, Bolsonaro diz que gostou muito, que “o povo está vivo”.
Na
live da última quinta-feira (18), Bolsonaro enaltece a “manifestação
espontânea” que “vem do coração do povo”. Em seguida, retoma a retórica da
senha e diz que “o que o povo quer, a gente faz” e, depois, constata que “o
povo disse nas ruas que quer trabalhar”.
Bolsonaro
anuncia então duas medidas: uma ação de inconstitucionalidade no Supremo contra
a imposição de medidas de restrição de mobilidade pelos governadores e um
projeto de lei no Congresso estabelecendo toda forma de trabalho como
essencial. Se Supremo e Congresso acatarem as medidas, diz Bolsonaro, se
“restabelece a ordem no Brasil”.
Na
sexta-feira (19), no cercadinho, Bolsonaro retoma a imagem de governadores
decretando estado de sítio e alerta que chegará o momento de medidas “duras”,
“para dar o direito do povo trabalhar”.
As
duas medidas anunciadas na quinta, porém, estão fadadas ao fracasso. Não há a
menor chance de o STF impedir governadores e prefeitos de decretar medidas de
restrição à mobilidade no momento em que pandemia está tirando mais de 2
mil vidas por dia. Não há tampouco qualquer chance de o Congresso
desfazer a distinção entre trabalhadores essenciais e não essenciais, que
permite que se paralisem as atividades econômicas seletivamente.
Bolsonaro
não propôs essas medidas para que sejam aprovadas, mas para depois dizer que
tentou a via institucional e foi deixado com as mãos amarradas, só lhe restando
as “medidas duras”.
Mais uma vez, prepara a justificativa para uma eventual ruptura institucional. Mais uma vez, o pretexto é a preservação da democracia e das liberdades, com o respaldo do “povo” —ainda que se trate apenas de um punhado de militantes.
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