De
todos os meus vícios mentais, o mais evidente é o otimismo. Vício, sim, pois o
pessimista só tem boas notícias. De um amigo, poderosa antena assestada sobre
os rumos do Brasil, recebi este comentário: “Não se iluda, se surgir uma nova
liderança pregando um mínimo de união. Seja ela quem for, todas as ‘tribos’
repentinamente parariam de brigar para, atipicamente juntas, detratarem essa
nova liderança e, na sequência, voltarem a guerrear”.
Parei para pensar e tentar refutar esse grave diagnóstico. Li as manchetes dos jornais e, nelas, não encontrei motivos para rebater meu amigo. Reli os artigos de opinião. Fui aos comentários dos leitores e, finalmente, às redes sociais. Nada. A sensação generalizada agora é muito parecida com aquela predominante no começo do século XX e que havia sido, meio sem querer, profetizada por Marx e Engels no Manifesto Comunista: “Tudo o que é sólido desmancha no ar”. Darwin demonstrara que somos macacos nus e não anjos decaídos. Freud nos tirava o comando do próprio destino entregando-o ao inconsciente, enquanto Einstein promovia a dessacralização das leis naturais.
O
mundo pareceu a seus habitantes estar sendo virado de cabeça para baixo. A
reação foi terrível. Um período arejado em que se podia viajar pelo mundo
usando como passaporte documentos triviais, como uma carta de apresentação do
prefeito da sua cidade, foi seguido de fechamento de fronteiras e da Primeira
Guerra Mundial. Uma inédita cadeia global de tolerância foi rompida, e os
países se fecharam em feudos. O medo e a desconfiança passaram a ser a tônica
das relações.
É
quase inacreditável, mas isso pode estar se repetindo agora e, pior, com a
ajuda do fabuloso arranjo tecnológico a que chamamos internet. O neotribalismo
é assustador por causa da internet. Nascida como Arpanet no Pentágono
norte-americano, que buscava uma forma de comunicação descentralizada capaz de
resistir a bombardeios nucleares estratégicos, a rede mundial de computadores
foi cooptada por corações e mentes libertárias.
O
físico britânico Tim Berners-Lee, inventor da World Wide Web, é o pioneiro da
internet que melhor representa o roubo do fogo dos deuses, no melhor estilo
“Prometeu acorrentado” da tragédia grega de Ésquilo, escrita quase 500 anos
antes de Cristo. Berners-Lee imaginou a internet como um sistema complexo de
pessoas interconectadas, capaz de unir a diversidade de pensamento com o
objetivo de resolver os grandes desafios comuns da humanidade. Em parte, a
previsão de Berners-Lee se realizou em projetos extraordinários de colaboração
planetária, como o que levou à produção de vacinas eficazes contra a Covid-19
menos de um ano depois do sequenciamento genético do vírus.
Mas
a internet está permitindo também boicotes ideológicos nada libertários aos
centros tradicionais de autoridade que nos trouxeram até aqui — principalmente
ofensivas bárbaras contra os métodos normativos de produção de conhecimento. É
preciso lembrar que Darwin e Einstein revolucionaram a ciência, mas com
obediência plena ao método científico. O que se vê agora são ataques a
processos de tirar lições da experiência e de modificar os esquemas mentais, de
modo que dialoguem racionalmente com a realidade — aquilo que o francês Edgar
Morin chama de “oscilação constante entre o lógico e o empírico”.
O
otimismo é fácil de explicar. O pessimismo exige mais das palavras, como você,
caro leitor, testemunhou acima, espero que sem se decepcionar. Cutucado pela
mensagem que abre a coluna, exasperei-me com o que parece ser o triunfo do
tribalismo via internet, nos condenando ao “todos contra todos” hobbesiano em
que, fechados em nossas cidadelas, estamos nos lixando para o resto.
O otimista em mim pode estar começando a ceder à realidade brasileira. Respondi ao amigo: “Muito boa análise. Triste conclusão, com a vitória do tribalismo sobre o bem comum”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário