Cúpula
dos três Poderes hoje provavelmente é a pior composição da nossa História
Faz
tempo que nós, brasileiros, vimos sentindo nossa autoestima baixar cada vez
mais. Não vendo muito de positivo a celebrar, ressaltamos nossos defeitos, que,
de fato, não são poucos.
Mas,
sinceramente, nunca me ocorreu que tantos de nós fôssemos imbecis, canalhas e
irresponsáveis como essas multidões que estão antepondo todo tipo de obstáculos
ao combate à pandemia. Pondo em risco não só a nossa vida, mas também a deles.
A
pandemia já ceifou quase 300 mil vidas e uma parcela importante dessa perda se
deve ao comportamento do insano que nos preside. Seu objetivo parece ser muito
mais o de impedir a ascensão eleitoral do governador João Doria do que livrar o
nosso país dos riscos trazidos pelo coronavírus. Sabotando o trabalho dos
agentes de saúde, fomentando aglomerações, insuflando fanáticos que o apoiam,
mentindo sem nenhum pudor (por exemplo, quando afirma que o Supremo Tribunal
Federal o impede de agir), ele vem tornando nossa tragédia muito maior do que
ela precisaria ser. Hoje somos uma “ameaça global” e uma vergonha para o mundo.
Era o caso de esperar mais de um capitão excluído das Forças Armadas por indisciplina para em seguida se tornar um lídimo representante do “baixo clero” na Câmara dos Deputados? Justiça feita, ele não é um caso isolado. O que hoje temos na cúpula dos três Poderes é provavelmente a pior composição da nossa História. No próprio Supremo, guardião da Constituição, alguns ministros parecem empenhados tão somente em combater o combate à corrupção.
O
império da mentira parece não ter limites. Veja-se o caso de Lula. Minutos após
ter suas condenações pelo triplex e pelo sítio em Atibaia invalidadas pelo
ministro Fachin, fazendo pose de estadista ele proferiu uma mentira que o
futuro certamente lembrará como um notável paradoxo. Afirmou ter sido “vítima
da pior mentira jurídica de nossa história”. Proferiu, portanto, uma mentira
que se autodesmente, como na história do cachorro correndo atrás de seu próprio
rabo. Mesmo o período de um ano e meio em que esteve preso em Pinheirais é uma
grande mentira, pois esteve confortavelmente instalado, com direito a televisão
e a visitas de seus advogados e outras pessoas. Lula sabe muito bem que, no
espaço de dois ou três meses, sob os governos militares, muita gente sofreu
centenas de vezes mais do que ele.
Lembremos,
contudo, que algumas das piores coisas que ouvimos ultimamente não são
mentiras. Minutos após ser empossado como presidente da Câmara dos Deputados, o
deputado Arthur Lira (PP-Alagoas) manifestou sua intenção de restabelecer a
coligação entre partidos nas eleições legislativas. Essa, sim, é de cabo de
esquadra.
A
revogação das coligações (efetivada na reforma de 2017) foi a única medida
séria que logramos aprovar no terreno da reforma política em mais de 30 anos de
tentativas. A referida modalidade de coligação era uma evidente fraude da
vontade do eleitor e da consistência que temos o direito de esperar dos
partidos políticos. Minigrupos que, isoladamente, não conseguiriam atingir o
chamado quociente eleitoral, habilitando-se a participar da distribuição das
cadeiras, aliavam-se – como se fossem um partido! – a fim de atingi-lo.
Concretizado esse objetivo espúrio, separavam-se, juntavam-se a outros e faziam
o que bem entendiam com a parcela da representação popular que supostamente
teriam angariado.
A
vedação das coligações foi aplicada na eleição municipal de 2020, com
resultados por enquanto modestos, mas positivos.
A
intenção externada pelo presidente da Câmara é um péssimo augúrio. Sugere que
uma parte da classe política persiste na obtusidade que a caracteriza há várias
legislaturas. Que não compreende que o Brasil precisa de uma reforma política
séria e abrangente, sob pena de não lograr o impulso necessário para retomar o
crescimento econômico e a busca do bem-estar. Nesse mister, não estamos lutando
para evitar um retrocesso, estamos metidos até o pescoço num retrocesso
gravíssimo, que implica nossa permanência num nível de pobreza avultante por
toda uma geração. Tal reforma terá de ser feita, cedo ou tarde, e num contexto
preocupante. Trata-se de uma reforma difícil, que por certo envolverá
alterações constitucionais, portanto, um desafio de grande monta para a atual
geração política, sabidamente mediana.
Trinta
e cinco anos atrás, no Congresso Constituinte, qualquer cidadão informado não
precisaria de mais que cinco minutos para apontar dez, quinze ou vinte líderes
de expressão nacional. Falo da qualidade de tais líderes, não da ideologia de
tal ou qual. De A a Z, dispúnhamos de figuras públicas habilitadas a
representar a sociedade nos escalões mais altos. Lá estavam Ulysses Guimarães,
Franco Montoro, Mário Covas, Roberto Campos, Delfim Netto, Fernando Henrique
Cardoso.
Hoje,
se me permitem um breve resumo, temos um cenário extremamente preocupante para
as próximas duas ou três décadas e uma classe política, ao que tudo indica,
despreparada para enfrentar esse magno desafio.
*Sócio-Diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
Um comentário:
Excelente texto Bolívar Lamounier. Venho dizendo isso a tempos, da escassez de líderes a altura de nomes como Covas, FHC, Montoro, dentre outros aqui no Brasil. Os tempos são sombrios e me parece que não há no momento um nome de peso que conste em livros de história no futuro. Se Arendt estivesse viva nós tempos atuais, teria dificuldade em escrever outra do tipo Homens em tempos sombrios, homens com visão para além do caos que estamos imersos.
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