sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Bruno Carazza - Lira ataca com semipresidencialismo, agora Pacheco ameaça com fim da reeleição

Valor Econômico

Às vésperas de Natal, Pacheco lança ideia para bagunçar ainda mais o ano legislativo de 2024

Como se não bastasse a sanha por maiores emendas orçamentárias, de tempos em tempos os presidentes da Câmara e do Senado lançam ideias para desviar o foco e drenar a energia política da agenda legislativa.

Faz parte do jogo as lideranças do Congresso complicarem a vida dos presidentes da República. Instrumentos para isso não faltam. Pode ser a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, deixar um projeto menos relevante trancar a pauta de votações ou não incluir determinadas propostas do governo na ordem do dia de votações. Dar prioridade a proposições polêmicas e muito complexas, como o PL das Fake News ou a proposta para limitar a atuação do Supremo Tribunal Federal, também dão resultado.

Nos últimos anos, Arthur Lira tem ameaçado levar adiante a proposta, defendida por políticos como o ex-presidente Michel Temer e o ministro do STF Gilmar Mendes, de implantar no Brasil o semipresidencialismo.

As duas ideias, de Lira e de Pacheco, trazem consigo o mesmo objetivo: enfraquecer a posição de Lula frente ao Congresso. Mesmo que ambos assegurem que o objetivo é implantar as novas regras somente após 2030, quem mais perde com a redução do poder da presidência da República é quem o ocupa atualmente e pretende continuar por lá: Lula e o PT.

Embora na campanha o petista tenha dito que não pretendia concorrer à reeleição em 2026 (como, aliás, Bolsonaro fez em 2018), ele não esconde que é candidatíssimo a um quarto mandato. E não faltam interessados a serem ungidos como seu sucessor depois disso. Nesse caso, iniciativas como o semipresidencialismo ou o fim da reeleição exigirão um esforço de Lula e seu governo para conter o avanço dos interessados em minar a posição do presidente.

Para complicar, não há nenhum consenso de que acabar com a reeleição trará ganhos para o sistema político brasileiro.

A maioria dos países que adotam o regime presidencialista atualmente admitem a reeleição. Entre os países mais populosos, as principais exceções são México e Filipinas (que vedam a reeleição, mas possuem mandatos presidenciais de seis anos), além de Chile e Colômbia (com mandatos de quatro anos, sem possibilidade de um novo período subsequente).

Como se sabe, o Brasil aprovou a emenda da reeleição em 1997, permitindo a Fernando Henrique Cardoso uma extensão de seu governo. À época, o argumento era que um único mandato de quatro anos seria muito pouco para se implementar as reformas de que o país precisava.

Além disso, a reeleição seria um incentivo para que o titular do cargo atendesse as demandas do eleitorado, pois sua gestão seria reavaliada após transcorrido um quadriênio no poder, como uma espécie de referendo em que a população seria convocada para ratificar se o governo estava no caminho certo ou não.

Desde então, dois argumentos principais são usados pelos críticos da reeleição. Para alguns, a possibilidade de concorrer a dois mandatos consecutivos dá uma vantagem desproporcional para quem já está no poder (os incumbentes), que podem usar a máquina estatal em seu benefício. Prova disso seria a experiência dos presidentes da República: FHC, Lula e Dilma se reelegeram, e Bolsonaro só perdeu porque tinha diante de si um ex-presidente extremamente popular – e ainda assim por uma margem bastante estreita.

Quando se olham os dados nos Estados, porém, essa vantagem não é tão evidente. Embora em 2022 a reeleição de governadores tenha sido altíssima (90%), nos pleitos de 2002 e 2018 os incumbentes tiveram muito mais dificuldade: a taxa de sucesso foi de 47% e 50%, respectivamente. Completam a série os pleitos de 2006 (64% de reeleitos), 2010 (67%) e 2014 (65%).

Nos municípios, os números também não indicam uma vantagem inconteste dos prefeitos em busca de reeleição: 56,3% de sucesso em 2004, 67,9% em 2008, 55,2% em 2012, 47% em 2016 e 57,6% em 2020.

Para se medir o efeito isolado da reeleição sobre a possibilidade de vitória, contudo, seria necessário filtrar outras variáveis que possam afetar essa correlação, como o volume de recursos disponível para financiamento de campanhas, o alinhamento político com o presidente da República e/ou governador e o acesso a transferências e emendas orçamentárias, além do contexto macroeconômico ao tempo da eleição, entre outros fatores.

O outro ponto contra a reeleição segue o raciocínio de que, assim que tomam posse, prefeitos, governadores e presidentes da República direcionam todos os seus esforços para obter um novo mandato. Segundo essa visão, esse permanente clima eleitoral estimula gastos populistas e leva à irresponsabilidade fiscal.

Num estudo publicado em 2009, Paulo Arvate, George Avelino e José Tavares não encontram evidências de que governadores “gastões” foram premiados com a reeleição. Analisando dados eleitorais e fiscais de municípios entre 2001 e 2012, Fernanda Marciniuk e Maurício Bugarin concluíram que prefeitos em primeiro mandato se comportaram de forma mais responsável do que seus colegas em segundo mandato – um outro sinal de que o instituto da reeleição funciona como um instrumento de controle dos eleitores sobre a disciplina fiscal dos chefes do Poder Executivo local.

Como se vê, a decisão de ressuscitar a discussão sobre o fim da reeleição no Congresso se baseia muito mais no interesse político do que nas evidências dos dados eleitorais e dos estudos acadêmicos.

2 comentários:

Daniel disse...

Excelente, MUITO INFORMATIVO! Parabéns ao autor e ao blog que divulga seu trabalho e, ainda, nos oferece visões tão diversas e interessantes sobre a realidade brasileira!

ADEMAR AMANCIO disse...

90% dos governadores se reelegeram,muita coisa!