Valor Econômico
‘Política ambiental não pode ser algo setorial’, diz ministra
Em um mundo de extremos - furacão Milton nos
Estados Unidos, tempestade no Saara, queimadas e enchentes no Brasil - a
ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, embarcam para Washington, no dia 22 de outubro, para o encontro de
ministros de Finanças e presidentes de Bancos Centrais do G20.
A pauta ambiental estará sobre a mesa na reunião que envolve o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Assim, é natural, senão, impositiva a atuação em sintonia fina da dupla Marina-Haddad porque a escalada da gravidade das tragédias climáticas torna cada vez mais indissociáveis as agendas ambiental e econômica.
“A política ambiental não pode ser algo
setorial”, advertiu Marina Silva em conversa com a coluna. Nessa conjuntura de
espanto e incerteza sobre o futuro, a ministra alertou para a necessidade de
que as principais agendas do governo, interligando meio ambiente, economia,
indústria e comércio, saúde, educação, trabalho, agricultura, energia, direitos
dos povos indígenas caminhem juntas a fim de se tentar construir uma sociedade
próspera e saudável.
Para isso, é preciso acelerar o debate sobre
a figura jurídica da “emergência climática”, pautado ainda no governo de
transição, e em análise na Casa Civil. “[Os extremos climáticos] vão ser cada
vez mais intensos e frequentes”, afirmou. Como exemplo, citou as tempestades na
Região Serrana do Rio de Janeiro, já no verão de 2011, quando houve mais de 900
mortes e ao menos 100 desaparecidos. “Não sabemos com precisão qual vai ser a
intensidade ou a frequência, mas essa realidade está posta”, decretou.
Nesse cenário, ela observa que o modelo em
vigor de administração de crises, que implica decretos de calamidade, campanhas
de ajuda humanitária e liberação de créditos extraordinários, expirou, e passou
da hora do governo migrar para a “gestão de risco”, o “novo normal”.
Para a ministra, o exemplo que salta aos
olhos sobre a ligação estreita entre meio ambiente e economia é a maior
estiagem na Amazônia na história recente, que começou em meados de 2023 e não
cessou. Os rios Amazonas, Negro, Branco e Purus, principais hidrovias da
região, além de fontes de água e de energia, atingiram seus níveis mais baixos
em mais de um século, isolando as comunidades ribeirinhas.
Em consequência, essas famílias tornaram-se
dependentes de insumos como remédios, alimentos e até água potável, cujo
transporte - sem rios e sem estradas - envolve uma logística complexa e vultosa
com aviões e helicópteros. Diante disso, o preço de uma cesta básica com arroz,
feijão, óleo, leite em pó, estimado em R$ 300, pode chegar a R$ 2,5 mil.
“Como esse exemplo pode ajudar o esforço
fiscal de um país?”, questiona a ministra. “Se a emergência é decretada depois
que a tragédia aconteceu, a gestão do desastre se faz a um custo
incomparavelmente maior”, alertou.
Pressionado pela onda de queimadas e
enchentes, ela vê o governo refém do paradoxo da cobrança de grandes
investimentos para socorrer as vítimas e evitar novas tragédias, e da
responsabilidade fiscal. “Um lado dizia que é preciso ter os recursos, e o outro,
que não pode extrapolar o teto fiscal”.
Quando a figura jurídica da “emergência
climática” - um conceito mais amplo do que o cargo de “autoridade climática” -,
que está em análise na Casa Civil, estiver em vigor, a gestão do risco será
feita com mais eficiência e a um custo menor para os cofres públicos, diz a
ministra. “Esse novo marco regulatório é para atender o que antes era algo fora
da curva, e agora é o novo normal. Temos que ter instrumentos institucionais
normativos e financeiros para fazer a gestão do risco”, observou.
O modelo em estudo prevê o orçamento da
emergência climática não sujeito ao arcabouço fiscal. “Mas isso é mais
vantajoso para o ganho fiscal, porque uma coisa é comprar 100 mil cestas a R$
300, outra é pagar R$ 2,5 mil em cada”, ponderou.
A gestão do risco será imprecisa, mas é o
melhor modelo. “[Pode-se prever] uma chuva de 200 ou 300 milímetros, ou nem
chover. Mas temos que trabalhar com o princípio da precaução, porque se
acontecer algo avassalador, tem que ter prevenção”.
Diante do aumento dos desastres climáticos, a
Casa Civil tem sido criticada pela demora na análise do novo instituto da
“emergência climática”. Mas Marina não vê urgência em concluir o modelo para
apresentá-lo na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP)
29, no Azerbaijão, em novembro. “Isso é um dever de casa, não é para fazer
disso uma vitrine. Tem a pressa pela nossa necessidade”, afirmou.
O que Marina e Haddad querem levar para a
COP29, com alguma evolução, é o debate deflagrado na COP28, em Dubai, sobre a
criação de um fundo global, com recursos de fundos soberanos de países ricos,
para a conservação de florestas tropicais em todo o mundo.
Há mais de uma década, Marina ouviu do
ativista francês Daniel Cohn-Bendit, ou Dany Le Rouge, que incendiou as ruas de
Paris em maio de 1968, uma frase que a marcou profundamente: “A nossa juventude
lutava pela liberdade, acreditando que com a liberdade que conquistássemos,
iríamos criar o mundo que quiséssemos. Agora os jovens estão usando a liberdade
que conquistamos para lutar, pelo menos, para ter um mundo”.
Para Marina, a reflexão é mais atual do que
nunca: “É o que temos agora: essa luta para, ao menos, ter um mundo”.
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