O Globo
Mercado e analistas não contavam com o
tamanho do desarranjo das contas públicas e com o forte crescimento da dívida
Como estaria terminando este ano se
estivessem corretas as projeções registradas há 12 meses? Elas estão no Boletim
Focus publicado pelo Banco Central em 8 de janeiro, resumindo a opinião do
mercado financeiro e de analistas. Ali se vê que o pessoal esperava um
crescimento modesto do PIB, de 1,6%.
Errado. A economia brasileira chega ao final de 2024 com forte expansão, de
3,5%, com desemprego em recorde de baixa e renda maior.
O presidente Lula,
quando quer criticar o mercado, ataca por aí: o país está crescendo o dobro do
esperado pelos “caras”. Mas o Focus não projeta apenas o PIB. Ali se encontram
expectativas para inflação,
dólar e taxa de juros. Também não se realizaram essas projeções, mas em sentido
invertido: o crescimento efetivo é bem melhor que o esperado; o ambiente macro
é muito pior que o projetado.
Inflação, por exemplo. Em janeiro, mercado e analistas acreditavam que o IPCA deste ano terminaria em 3,90%, em queda. Na real, termina em alta, na redondeza dos 5% —acima do teto da meta de inflação, de 4,5%. Com perspectiva de um IPCA alto por muitos meses.
Em janeiro deste ano, a taxa básica de juros
(Selic) era de 11,25% — e estava em queda por causa justamente da redução
seguida da inflação. A projeção era chegar a este mês de dezembro com a Selic a
9,0%. Na real, a taxa de juros hoje é de 12,25% ao ano, em alta. O Comitê de
Política Monetária (Copom) já informou que a Selic sobe nas duas primeiras
reuniões de 2025, chegando logo a 14,25%. Com muitas analistas dizendo que não
para por aí.
Finalmente, o dólar. Lembram? Rodava abaixo
de R$ 5 no final de 2023. Pelo Boletim Focus, permaneceria estável em torno dos
R$ 5 por todo este ano e 2025. Na real, o dólar escalou durante todo o ano,
sempre para cima, até ultrapassar a marca dos R$ 6.
Desse conjunto, resulta, primeiro, uma
conclusão política. Quando mercado e analistas previam um PIB modesto, não
faziam campanha contra o governo — como já disse Lula mais de uma vez. Tanto
não era conspiração que as demais projeções indicavam um ambiente saudável:
inflação e juros em queda, dólar estável, sem solavancos.
Por que deu errado?
Porque mercado e analistas não contavam com o
tamanho do desarranjo das contas públicas e com o forte crescimento da dívida.
Havia, se não confiança, pelo menos o benefício da dúvida em relação ao
arcabouço fiscal e à capacidade do ministro Fernando
Haddad de mantê-lo de pé. Isso foi caindo ao longo do ano.
Uma primeira virada ocorreu quando Haddad
anunciou mudança nas metas fiscais. Não contando com receitas esperadas, o
ministro, em vez de cortar gastos, preferiu tolerar déficit maior. A meta deste
ano continuou sendo déficit zero, mas com uma margem de tolerância de uns R$ 30
bilhões. Não é déficit zero, mas de R$ 30 bilhões — e ainda com diversas
despesas retiradas da contabilidade oficial. Foi nesse momento que o dólar saiu
dos confortáveis R$ 5 e começou a subir. Bateu R$ 5,40.
Diversas declarações do presidente Lula —
atacando o BC, mostrando má vontade com a conversa sobre desajuste das contas
públicas — contribuíram para a piora das expectativas. Quando Haddad começou a
preparar o pacote de corte de gastos, para salvar o arcabouço, o ambiente até
aliviou.
Mas deu ruim. Sob o comando de Lula, o pacote
foi desidratado dentro do governo. E depois mais desidratado no Congresso.
Tanto que o próprio Haddad admitiu que precisaria de ajustes mais à frente. Mas
o estrago estava feito. Projeções do próprio governo dizem que a dívida pública
ultrapassará o perigoso nível de 80% do PIB. Daí vem o resto: dólar a R$ 6,
aumenta a inflação, sobem os juros, tudo ameaçando o crescimento futuro.
Foi uma pena. A forte expansão deste ano foi
puxada pelo aumento do gasto público. Neste momento, com a economia forte, um
ajuste de contas efetivo e crível derrubaria juros e dólar — e mudaria todo o
ambiente macroeconômico. Sem isso, dúvidas e falta de confiança avançam para
2025.
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