sábado, 28 de dezembro de 2024

A escalada da desconfiança e do dólar - Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Mercado e analistas não contavam com o tamanho do desarranjo das contas públicas e com o forte crescimento da dívida

Como estaria terminando este ano se estivessem corretas as projeções registradas há 12 meses? Elas estão no Boletim Focus publicado pelo Banco Central em 8 de janeiro, resumindo a opinião do mercado financeiro e de analistas. Ali se vê que o pessoal esperava um crescimento modesto do PIB, de 1,6%. Errado. A economia brasileira chega ao final de 2024 com forte expansão, de 3,5%, com desemprego em recorde de baixa e renda maior.

O presidente Lula, quando quer criticar o mercado, ataca por aí: o país está crescendo o dobro do esperado pelos “caras”. Mas o Focus não projeta apenas o PIB. Ali se encontram expectativas para inflação, dólar e taxa de juros. Também não se realizaram essas projeções, mas em sentido invertido: o crescimento efetivo é bem melhor que o esperado; o ambiente macro é muito pior que o projetado.

Inflação, por exemplo. Em janeiro, mercado e analistas acreditavam que o IPCA deste ano terminaria em 3,90%, em queda. Na real, termina em alta, na redondeza dos 5% —acima do teto da meta de inflação, de 4,5%. Com perspectiva de um IPCA alto por muitos meses.

Em janeiro deste ano, a taxa básica de juros (Selic) era de 11,25% — e estava em queda por causa justamente da redução seguida da inflação. A projeção era chegar a este mês de dezembro com a Selic a 9,0%. Na real, a taxa de juros hoje é de 12,25% ao ano, em alta. O Comitê de Política Monetária (Copom) já informou que a Selic sobe nas duas primeiras reuniões de 2025, chegando logo a 14,25%. Com muitas analistas dizendo que não para por aí.

Finalmente, o dólar. Lembram? Rodava abaixo de R$ 5 no final de 2023. Pelo Boletim Focus, permaneceria estável em torno dos R$ 5 por todo este ano e 2025. Na real, o dólar escalou durante todo o ano, sempre para cima, até ultrapassar a marca dos R$ 6.

Desse conjunto, resulta, primeiro, uma conclusão política. Quando mercado e analistas previam um PIB modesto, não faziam campanha contra o governo — como já disse Lula mais de uma vez. Tanto não era conspiração que as demais projeções indicavam um ambiente saudável: inflação e juros em queda, dólar estável, sem solavancos.

Por que deu errado?

Porque mercado e analistas não contavam com o tamanho do desarranjo das contas públicas e com o forte crescimento da dívida. Havia, se não confiança, pelo menos o benefício da dúvida em relação ao arcabouço fiscal e à capacidade do ministro Fernando Haddad de mantê-lo de pé. Isso foi caindo ao longo do ano.

Uma primeira virada ocorreu quando Haddad anunciou mudança nas metas fiscais. Não contando com receitas esperadas, o ministro, em vez de cortar gastos, preferiu tolerar déficit maior. A meta deste ano continuou sendo déficit zero, mas com uma margem de tolerância de uns R$ 30 bilhões. Não é déficit zero, mas de R$ 30 bilhões — e ainda com diversas despesas retiradas da contabilidade oficial. Foi nesse momento que o dólar saiu dos confortáveis R$ 5 e começou a subir. Bateu R$ 5,40.

Diversas declarações do presidente Lula — atacando o BC, mostrando má vontade com a conversa sobre desajuste das contas públicas — contribuíram para a piora das expectativas. Quando Haddad começou a preparar o pacote de corte de gastos, para salvar o arcabouço, o ambiente até aliviou.

Mas deu ruim. Sob o comando de Lula, o pacote foi desidratado dentro do governo. E depois mais desidratado no Congresso. Tanto que o próprio Haddad admitiu que precisaria de ajustes mais à frente. Mas o estrago estava feito. Projeções do próprio governo dizem que a dívida pública ultrapassará o perigoso nível de 80% do PIB. Daí vem o resto: dólar a R$ 6, aumenta a inflação, sobem os juros, tudo ameaçando o crescimento futuro.

Foi uma pena. A forte expansão deste ano foi puxada pelo aumento do gasto público. Neste momento, com a economia forte, um ajuste de contas efetivo e crível derrubaria juros e dólar — e mudaria todo o ambiente macroeconômico. Sem isso, dúvidas e falta de confiança avançam para 2025.

 

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