O Estado de S. Paulo
Parte-se do crime organizado, um problema real, para criar uma lei ao gosto dos liberticidas
Tramita na Câmara mais uma ideia errada para
enfrentar um problema real: ampliar o crime de terrorismo fingindo combater o
crime organizado. O projeto altera o artigo 2.º da lei 13.260, a Lei
Antiterror. Juristas veem ali ameaça às liberdades. Ele pode custar caro até
aos seus autores.
Michael Walzer explica que a violência do terror é aleatória. É por ser dirigida a qualquer um que aterroriza: põe-se a bomba na igreja ou no trem sem saber quem ali estará quando ela explodir. O projeto passa por cima disso. Diz que toda ação violenta com fins políticos e ideológicos é terror. É a velha vontade de tratar o MST como bandidão. Se estivesse vigente, os presos do 8 de janeiro de 2023 seriam terroristas, e a moça do batom, em vez de 14 anos, pegaria 30 de cadeia. A proposta atingiria até Eduardo Bolsonaro. Ela diz ser terrorismo: “Desestabilizar instituições governamentais, incluindo forças de segurança e sistemas de justiça, para o fim de assegurar a impunidade e de impedir seu funcionamento regular”. Ou seja, o filho do Jair seria enquadrado por tentar desestabilizar o STF para salvar o pai.
O item 3 é tão vago que jornalistas e deputados seriam punidos. Diz ser terrorismo: “Promover o medo generalizado, o pânico ou a coação, seja por meio de atos violentos, ameaças ou intimidação sistemática”. O que é “intimidação sistemática”? Reportagens e posts que denunciem um governante? Ou um deputado pegar no pé de Xandão? O projeto torna terror facções que impõe domínio territorial e intimidam populações com extorsões e homicídios. Mas isso não é terror. Isso é máfia, conforme a Convenção de Palermo.
O maior erro do projeto não é ser manipulável
por um déspota para matar as liberdades. O pior é partir de um problema real –
dar ao País instrumentos para combater o crime organizado – para
desmoralizá-lo. Na Itália, o terror e a máfia são equiparados. Isso significa
que são enfrentados com os mesmos instrumentos jurídicos: combate à lavagem,
uma agência antimáfia e antiterror, cárcere duro, delação premiada e pune-se o
domínio territorial, tudo submetido ao estado de direito. O chefão Totó Riina,
e Renato Curcio, das Brigadas Vermelhas, foram presos. Não foram executados.
Há os que pretendem igualar as facções ao
terror porque desejam uma licença para execuções sumárias de traficantes.
Querem imitar Trump, mas expõe o País ao risco de um míssil americano cair no
condomínio de um bandido. Se o vizinho morrer, paciência, assim é a guerra. Os
autores esquecem que, um dia, o déspota pode ser Maduro em vez do Jair. E a lei
pode servir para prendê-los. O que aterroriza quem zela pelas liberdades é que
existam deputados que proponham esse tipo de lei.
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