Jovens generais, tenentes e coronéis denunciaram que estavam sendo convocados a pegar em armas
Internautas acusam presidente de usar denúncia para desviar atenção dos problemas econômicos
Janaína Figueiredo – O Globo
BUENOS AIRES — Sem dar nomes nem detalhes, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, recebeu nesta terça-feira os 11 chanceleres da União de Nações Sul-americanas (Unasul), em Caracas, com a notícia da detenção de três generais da Força Aérea do país. Segundo Maduro, eles mantinham vínculos com a oposição e estavam por trás de uma tentativa de golpe de Estado que consistia em “organizar um levante na Força Aérea, contra um governo legitimamente constituído”.
As declarações do presidente provocaram debate nas redes sociais, onde muitos venezuelanos o acusaram de usar a nova denúncia para desviar a atenção dos graves problemas econômicos que assolam o país e conseguir a solidariedade incondicional da Unasul.
No entanto, este não é o primeiro caso de insubordinação nas Forças Armadas Bolivarianas. Em 7 de março, o governo venezuelano prendeu três coronéis da Guarda Nacional por terem se negado a aumentar a repressão contra manifestantes em Valencia, capital do estado de Carabobo. Segundo fontes locais, seja ou não verdadeira a atual denúncia do presidente venezuelano, “está claro que existe uma disputa de poder dentro das Forças Armadas, entre setores fiéis a Maduro, militares com contatos com a oposição e chavistas aliados a outros homens fortes da revolução, como o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello”.
Hoje os militares são a principal base de apoio de Maduro. Mas os que defendem o governo convivem cada vez mais com setores opositores dentro das Forças Armadas, chavistas e não chavistas, explicou uma fonte venezuelana com acesso à cúpula do governo e que pediu para não ser identificada.
Maduro assegurou que os generais detidos estavam sendo investigados há algum tempo.
— Como descobrimos a tentativa de golpe? Pela consciência dos oficiais, dos mais jovens, generais, tenentes-coronéis, que vieram alarmados denunciar a convocação de um golpe — disse.
De acordo com Maduro, os generais envolvidos na suposta conspiração “têm vínculos diretos com a oposição”. Ele também aproveitou seu primeiro encontro com a missão especial da Unasul para questionar a oposição que, segundo ele, está “hesitante entre a via eleitoral e o atalho, a violência, o caos, a desestabilização”.
Maduro pediu o apoio dos chanceleres do bloco à Conferência da Paz lançada por seu governo, que pretende fomentar o diálogo com a oposição, mas não conta com o respaldo de grandes setores antichavistas. Os ministros das Relações Exteriores, que nesta terça-feira também se reuniram com membros de Igrejas locais e opositores da Mesa de Unidade Democrática (MUD), aderiram à iniciativa e prometeram colaborar para que a paz retorne ao país. Na quarta-feira, eles conversarão com representantes de ONGs de direitos humanos como Provea e Foro Penal.
— Vamos apresentar as denúncias dos 59 casos de tortura e mostrar provas sobre as violações dos direitos humanos — afirmou a advogada Tamara Suju, da Foro Penal.
Segundo ela, desde o início da crise, em fevereiro, mais de 1.900 pessoas foram presas — outras 36 morreram, confirmou o governo.
— Ainda temos 84 estudantes detidos e 900 em liberdade condicional. Mostraremos nosso relatório aos chanceleres — adiantou Tamara.
Em Caracas, os chanceleres puderam observar de perto a precária situação política, econômica e social. No mesmo dia em que a agência Fitch rebaixou a nota da dívida soberana da Venezuela de B+ para B, pela demora em aplicar políticas de combate à inflação e correção das distorções no mercado cambial, os ministros da Unasul enfrentaram um gigantesco apagão que deixou meia capital às escuras durante horas. Mais uma vez, a explicação do governo para um problema constante foi um suposto boicote opositor.
— Existem indícios de que o incêndio (que provocou o apagão) pode ter sido provocado — declarou o ministro da Energia, Jesse Chacón.
A presença da Unasul na Venezuela foi considerada importante por membros da oposição, que também se reuniram com os chanceleres. “Saibam os senhores da Unasul que aqui existem prefeitos presos, governadores julgados, parlamentares com mandatos cassados, estudantes torturados”, escreveu horas antes, no Twitter, o prefeito metropolitano de Caracas, Antonio Ledezma.
Deputada alvo da justiça de volta a Caracas
Na semana passada, o prefeito Enzo Scarano, de San Diego, foi condenado a 10 meses e 15 dias de prisão. Já a situação do prefeito Daniel Ceballos, de San Cristóbal, seria definida até a noite desta terça-feira. Ambos são acusados de não terem impedido manifestantes de levantarem barricadas em seus municípios e estão na prisão de Ramo Verde, que abriga desde fevereiro o dirigente do partido Vontade Popular, Leopoldo López.
A oposição também está em alerta pela possibilidade de que María Corina Machado seja presa. A deputada estava em Lima e deve voltar na quarta Caracas. Cabello anunciou a cassação do mandato da opositora por ela ter aceitado uma nomeação temporária do governo do Panamá para falar na Organização de Estados Americanos (OEA). Juristas rebatem que a cassação é inconstitucional, já que a Constituição proíbe que parlamentares assumam cargos permanentes, mas não temporários.
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