Faz meio século, mas as memórias de quem sofreu as consequências do golpe militar de 1964 seguem vivas. Então com 21 anos, estudante de Direito em Pernambuco e já militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), soube da deposição do presidente João Goulart na madrugada de 1º de abril, com as notícias de que tropas rebeladas haviam partido de Minas Gerais rumo ao Rio de Janeiro, sob o comando do general Mourão Filho, em um movimento que ecoou em diversas partes do país.
O golpe se cristalizou diante de nós quando o Palácio do Campo das Princesas, sede do governo pernambucano, foi cercado por tropas do Exército. Eleito democraticamente em 1962, o governador Miguel Arraes saiu dali deposto e preso pelos militares. Era o início de uma longa e tenebrosa noite que duraria 21 anos.
A partir da decretação do Ato Institucional nº 1, em 9 de abril, foram cassadas várias lideranças políticas como o próprio Arraes, Luís Carlos Prestes, Francisco Julião, Leonel Brizola e mais de 100 cidadãos brasileiros. No dia 15, o marechal Castello Branco toma posse como novo chefe da nação, com mandato até janeiro de 1967. Em 13 de dezembro de 1968, o general Costa e Silva decreta o Ato Institucional nº 5, por meio do qual é instituído o puro arbítrio e implantado o totalitarismo.
Trata-se do capítulo mais sombrio da história brasileira, com censura, repressão, tortura e o assassinato de milhares de estudantes que se opunham à ditadura. Éramos todos jovens, mas já tínhamos de lidar com o sentimento de profunda frustração ao ver nossos sonhos roubados por um regime de exceção que não aceitava contestações. Sentimos na própria carne o quanto é doloroso viver sem liberdade.
Enquanto alguns grupos de esquerda optaram pelo delírio utópico da luta armada, o que se revelaria um erro estratégico, fui um dos fundadores do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), pelo qual passei a exercer a resistência política depois que o PCB entrou na clandestinidade. A militância nas trincheiras institucionais, ainda que dentro dos limites impostos pelos militares e diante de todas as dificuldades, foi fundamental para que houvesse um arrefecimento do regime nos anos seguintes, culminando na promulgação da Lei da Anistia em 1979. No início da década de 1980, já nos estertores da ditadura, a pressão da sociedade por eleições diretas foi decisiva para a definitiva abertura democrática do país.
Passaram-se 30 anos desde que o Brasil se livrou do horror da ditadura. Hoje, vivemos o mais longo período de estabilidade democrática de nossa história. Apesar de vicejarem aqui e ali alguns amantes do totalitarismo, qualquer tentativa insana de resgatar o regime que castigou a nação por mais de 20 anos é inócua e não merece consideração. Afinal, como dizia Karl Marx, “a história só se repete como farsa”.
O golpe militar de 1964, que condenou o país a um profundo retrocesso moral, político e institucional, é uma página funesta de nossa história que não pode ser esquecida. Em nome dos que lutaram para que reconquistássemos a liberdade, temos o compromisso de preservar a memória e não permitir que a democracia seja ameaçada. Já faz algum tempo, felizmente, que acordamos daquele pesadelo, mas as marcas do pior momento de nossas vidas jamais sairão de nós.
Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS.
Fonte: Brasil Econômico
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