• Tramitação do ajuste no Congresso deixa entrever que a resistência será bem mais vigorosa do que o Planalto esperava
- O Globo
Passados quase cinco meses do segundo mandato da presidente Dilma, já é possível vislumbrar com mais nitidez limites e possibilidades da guinada de política econômica que, a duras penas, vem sendo conduzida pelo ministro Joaquim Levy. Tanto pessimistas como otimistas têm boas razões para rever posições mais extremadas.
Entre os que se mostravam mais céticos no começo do ano, há quem esteja surpreendido com a extensão do respaldo que o Planalto acabou dando à reorientação da política econômica. E entre os que, de início, se mostravam mais entusiasmados com os desdobramentos da nomeação do novo ministro da Fazenda, há quem, afinal, se tenha dado conta das enormes dificuldades que ainda terão de ser superadas para que a reorientação da política econômica seja levada a bom termo.
Nas últimas semanas, as reais proporções de algumas dessas dificuldades tornaram-se especialmente nítidas, na esteira da irresponsabilidade do Congresso e do vigor da resistência ao esforço de ajuste fiscal.
A aprovação pela Câmara de novas regras de aposentadoria que tornam as contas da Previdência ainda mais insustentáveis do que já eram, na contramão do ajuste fiscal que se faz necessário, dá bem ideia do terreno movediço em que terá de avançar, nos próximos meses, o esforço de consolidação das contas públicas comandado por Joaquim Levy.
Por mais que o desastre possa ser atribuído à perda de ascendência do Planalto sobre sua bancada no Congresso, é especialmente preocupante que a oposição se tenha permitido dar apoio maciço a decisão tão estapafúrdia. Foi uma indefensável demonstração de irresponsabilidade, que amplia em muito a incerteza sobre a viabilidade do esforço adicional de ajuste fiscal que o governo ainda terá de mostrar no futuro próximo.
Aos poucos, o avanço da tramitação das medidas de ajuste no Congresso vem deixando entrever que a resistência a ser enfrentada será bem mais vigorosa do que o Planalto esperava. Parte da resistência já estava mapeada. Para assegurar aprovação de várias das medidas, o governo vem sendo obrigado a aceitar emendas que implicam redução substancial dos efeitos inicialmente contemplados.
Mas, na tramitação da reversão da desoneração da folha de pagamentos, o quadro tornou-se bem mais adverso. O governo vem-se deparando com vigorosa resistência no Congresso, facilmente explicável pela enorme influência política da coalizão de interesses que poderão vir a ser contrariados.
Tal resistência é apenas mais uma evidência de quão custosa será a reversão dos despropósitos de política econômica cometidos no governo passado, sob a pretensiosa bandeira da “nova matriz macroeconômica”. Se a ideia era desonerar o custo do trabalho, o governo poderia ter simplesmente reduzido, em alguma medida, a alíquota de contribuição patronal que incidia sobre a folha. Em vez disso, preferiu uma pajelança em que a contribuição patronal passou a ser cobrada sobre faturamento, com alíquotas fixadas caso a caso, ao sabor do choro e da influência política de cada setor.
A certa altura do jogo, o Congresso, invejoso do próspero guichê de favores que havia sido montado no Executivo, decidiu também entrar na distribuição de benesses, ampliando o número de setores agraciados para nada menos que 56. Ao fim e ao cabo da deprimente sequência de equívocos, a cobrança de contribuições patronais acabou convertida na indefensável colcha de retalhos de alíquotas e bases de incidência que hoje se vê.
Em boa hora, o ministro Joaquim Levy constatou que o arranjo não fazia o menor sentido e que o custo da “brincadeira” havia se tornado insustentável. E se pôs em campo para desfazer o despropósito. Mas tudo indica que não será fácil. O lobby contrário é extremamente poderoso. A batalha promete ser árdua. E o desfecho, decepcionante.
É bem possível que o país tenha de conviver por muitos anos mais com as sequelas da forma desastrosa como foi feita a desoneração da folha no governo passado. Os danos da insensatez podem ser penosamente duradouros.
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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
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