• Pressionado, Cunha diz que decide sobre processo amanhã
Parecer encomendado por advogado da campanha da presidente a juristas defende que rejeição de contas não implica crime de responsabilidade e que ela e o vice, Michel Temer, não podem ser cassados pelo TSE
A presidente Dilma Rousseff deu início à sua estratégia de defesa contra um possível processo de impeachment e já se articula nos campos jurídico e político. Na primeira esfera, o advogado da chapa Dilma- Temer, Flávio Caetano, encomendou aos juristas Celso Antonio Bandeira de Mello e Fabio Konder Comparato um parecer que contesta os argumentos para afastar a presidente, baseados na rejeição das contas do governo no TCU, e as ações que pedem no TSE a cassação da chapa. Ontem, Dilma voltou a se reunir com ministros para mobilizar a base do governo no Congresso. Pressionado por denúncias de contas na Suíça e gastos não declarados no exterior, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), disse que decidirá amanhã se abre processo de impeachment contra ela.
Dilma deflagra ação contra impeachment
Advogado da campanha presidencial pede parecer jurídico para rebater impedimento
Simone Iglesias - O Globo
- BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff deu início à sua estratégia de defesa jurídica contra um eventual processo de impeachment. Com a expectativa de o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), decidir nesta terça- feira se abrirá ou não uma ação pelo afastamento da petista, Flávio Caetano, advogado da chapa Dilma e Michel Temer, recebeu ontem um parecer dos juristas Celso Antônio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato. O documento servirá de base para a defesa no Tribunal Superior Eleitoral ( TSE) e também contra ação baseada na rejeição das contas de Dilma de 2014 pelo Tribunal de Contas da União ( TCU). Além disso, um grupo de deputados do PT já entrou com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal ( STF) contra o rito de tramitação dos pedidos de impeachment, anunciado por Cunha.
No parecer, encomendado por Caetano, Mello e Comparato sustentam que a reprovação das contas da presidente pelo TCU não constitui crime de responsabilidade, sendo insuficiente para a abertura de um processo de impeachment. Eles também afirmam que o TSE não tem poder para, eventualmente, cassar os mandatos.
Este documento servirá como primeiro passo para sustentar movimentações jurídicas mais “contundentes” contra o impeachment, segundo disse ao GLOBO um dos integrantes do grupo de defesa de Dilma.
No pedido de resposta dos juristas, Flávio Caetano fez cinco questionamentos. O primeiro deles trata sem nenhuma reserva do impeachment:
“Qual o alcance e o significado do artigo do artigo 86 parágrafo 4 da Constituição?”, questiona Caetano. Este artigo diz o seguinte: “admitida a acusação contra a presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o STF nas infrações penais comuns, ou perante o Senado, nos crimes de responsabilidade.”
Na resposta, os dois juristas dizem “sem a menor hesitação” que a atual pretensão de impeachment, em termos jurídicos, é “literalmente absurda”.
Mello e Comparato afirmam ainda que o TCU emitiu uma opinião de um “hipotético crime de responsabilidade”. Eles pontuam que o Tribunal é um órgão auxiliar do Poder Legislativo. Por esse motivo, é preciso separar a apreciação pelo Congresso Nacional da opinião do TCU, e que somente a análise do Tribunal não pode sustentar um pedido de afastamento de Dilma do cargo.
“A reprovação das contas pelo Legislativo é algo que, em si mesmo e por si mesmo, em nada se confunde com crime de responsabilidade. A manifestação do TCU necessita de aprovação do Congresso Nacional para surtir efeito de rejeição”, escrevem os juristas.
Mello e Comparato afirmam que o impeachment deve ser utilizado apenas em “situação da mais alta seriedade e de uma excepcionalidade extrema, isto é, máxima”, o que não é o caso, para eles, na rejeição das contas. Eles sustentam que mesmo que as contas sejam reprovadas pelo Legislativo, isso não constitui crime de responsabilidade.
“O chamado impeachment não é uma sanção propriamente dita, um castigo por ter ferido a Lei Magna, mas uma providência destinada a impedir que alguém que esteja a ferir gravemente a Constituição persista em condições de fazê- lo. Este instituto não pode ser brandido de maneira a cumprir aquilo que, na expressiva dicção utilizada na linguagem do esporte mais popular no Brasil, se traduz no dito corrente de ‘ ganhar no tapetão’, quando um clube de futebol, esmagado em campo por força da superioridade do adversário, quer vencê- lo de qualquer modo, nem que seja por esta via inidônea e não se peja de assumir uma atitude desabrida”, sustentam.
Quanto às ações no Tribunal Superior Eleitoral, o parecer diz que o órgão não tem poderes para cassar mandato de presidente e seu vice.
“Nem o Presidente da República, nem seu vice podem ter seus mandatos cassados por decisão do Tribunal Superior Eleitoral em ação de impugnação de mandato eletivo, ao arrepio dos artigos 85 e seguintes da Constituição Federal”, concluem. Dilma e Temer são alvo de Ações de Investigações Judiciais Eleitorais ( Aijes) e uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo ( Aime) no TSE.
Os juristas avaliam também a possibilidade de impedimento presidencial por atos cometidos em mandato anterior. Para os estudiosos do Direito brasileiro, “ninguém duvidaria que, sendo o mandato presidencial de quatro anos, encerrado este, o que surge é um segundo e diverso mandato cuja investidura dependeu de eleição na qual os que sufragaram o eleito nem ao menos são necessar iamente os mesmos que o fizeram no pleito anterior”.
Mello e Comparato reforçam que, ao falar em “exercício de suas funções”, a Constituição se refere “às funções que o presidente exerce, não às funções que no passado exerceu”.
“Não se pode, pois, suplantar a vontade popular expressa no resultado eleitoral para buscar em outro momento histórico e jurídico o fundamento requerido para o ‘ impeachment’, sem estar com isso ofendendo até mesmo o princípio republicano”, explicam.
Celso Antônio Bandeira de Mello é professor emérito da PUC- SP e Fábio Konder Comparato é professor emérito da Faculdade de Direito do Largo São Francisco ( USP), doutor honoris causa da Universidade de Coimbra ( Portugal) e doutor em Direito pela Universidade de Paris ( França).
A ordem é conter o impeachment
Ontem, Dilma voltou a Brasília antes do fim do feriado, como previsto, para reuniões políticas com ministros. Preocupada com o comportamento “imprevisível” de Cunha, Dilma realizou duas reuniões com os ministros Ricardo Berzoini ( Casa Civil) e Aldo Rebelo ( Defesa) para tratar sobre o andamento na Câmara, a partir desta terça, do processo de impeachment contra ela. A reunião ocorreu ontem, depois de uma viagem- relâmpago da petista a Porto Alegre ( RS). Ela voltou para Brasília em menos de 24 horas. A ordem de Dilma é acionar os ministros dos partidos aliados para tentar conter o peemedebista e obter o apoio da base aliada para barrar o impeachment.
No sábado, Dilma já havia se reunido com os ministros Jaques Wagner ( Casa Civil), Ricardo Berzoini ( Secretaria de Governo) e José Eduardo Cardozo ( Justiça). Logo em seguida, a presidente embarcou para Porto Alegre, para se encontrar com a família.
A presidente decidiu voltar ontem e não passar o feriado de hoje na capital gaúcha, onde moram sua filha Paula e seu neto Gabriel.
— Temos que ter maioria no Congresso. Tem que valer a coalizão — afirmou um ministro.
(Colaboraram Cristiane Jungblut e Geralda Doca)
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