Forças favoráveis e contrárias ao impeachment da presidente Dilma Rousseff começaram a se alinhar às claras, em um processo nervoso que não dispensou cachações e arruaças no plenário da Câmara dos Deputados e corridas ao Supremo Tribunal Federal para que julgue a legitimidade da comissão especial que avaliará a propriedade ou não do processo de impedimento. O vice-presidente da República, Michel Temer, em carta reveladora, rompeu com a presidente. O líder do PMDB na Casa, Leonardo Picciani (RJ), pró-Dilma, foi derrubado por uma rebelião de mais da metade dos deputados da legenda.
No primeiro embate na Câmara entre a formação de comissão pró-governista ou inclinada ao impeachment, a oposição a Dilma levou a melhor, por 272 votos a 199. A oposição ficou otimista porque acha que o governo tem só 28 votos de folga para vencer a ameaça, diferença que espera pulverizar com a pressão das ruas e da maioria. Com voto secreto, e traição não identificada, houve significativas defecções entre governistas. A estratégia pró-impeachment precisa de tempo para se firmar, tanto para a organização de manifestações de rua, como a do próximo domingo, como para que o mal-estar com a economia em recessão cresça e produza mais pressão política.
O governo viu algumas coisas boas em sua maré infinita de adversidades. Uma delas é que faltam expressivos 71 votos para que a oposição supere os dois terços necessários para conseguir o que quer. O núcleo do governo acha que a oposição não têm condições de imediato de tirar Dilma do Planalto, e deseja e precisa resolver a questão rapidamente. O próximo embate será travado sobre o fim ou não do recesso do Congresso, que precisa ser votado. Até o dia 16, quando o STF se reúne para decidir sobre a legitimidade da comissão especial, quase nada deve acontecer em plenário. No dia 21, termina o ano parlamentar.
O governo continua acuado. O poder de atração dos indecisos pelo PT é pequeno, mas ele é substantivo no caso do PMDB. A carta de ruptura de Temer alinhou a ala do vice-presidente com a incendiária de Cunha, e um de seus primeiros efeitos foram as pirotecnias regimentais e as derrotas do governo. Restam a defender fidelidade a Dilma Renan Calheiros, presidente do Senado, onde eventualmente ocorrerá a votação do impeachment, e a ala adesista do PMDB. Não é um bom presságio para o Planalto a rápida decisão pela delação premiada do ex-líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT), político bem informado que já foi muito próximo a Lula e ao núcleo político do Planalto.
Se os motivos para o impeachment da presidente Dilma são bastante frágeis, há a expectativa de que, para resolver os impasses que paralisam o país, uma sólida maioria das forças políticas seja capaz de se formar, aprovar o impeachment e ainda sustentar um governo de união nacional em torno do sucessor. Essas expectativas podem se frustrar. Temer assinou créditos suplementares em 2014 e 2015, durante períodos de interinidade, e pode ter se enquadrado nos mesmos crimes dos quais Dilma é acusada como responsável no pedido de impeachment aceito por Cunha.
Por seu lado, a estatura e o prestígio de Temer ficaram menores depois da divulgação de sua carta pessoal a Dilma. Pública ou privada, ela cumpre o objetivo de marcar distância intransponível com o governo e reiterar que, apesar do cargo, não tem qualquer responsabilidade nas agruras do Planalto. Os motivos apontados paras mágoas do vice-presidente são baseados em fatos, mas o tom é o de um típico operador pemedebista, dentro de seu curto horizonte de negociador de cargos para seu grupo. Se "as palavras voam e os escritos permanecem", Temer deixa para a história um perfil bem distante do estadista que a gravidade da crise e a urgência de sua superação requerem. Há um brutal desnível entre o fisiologismo expresso na carta e as ambições radicais de outro texto, a "Ponte para o futuro". Quem acredita no segundo dificilmente vê o homem encarregado de executá-lo no autor do primeiro.
Os fatos podem desmanchar as expectativas racionais sobre o desfecho virtuoso do impeachment. Tudo pode acontecer, até mesmo a desmoralização dos protagonistas do processo, a permanência de Dilma pela ausência de melhor solução, a ausência de apoio político para seus programas e a economia rastejando até 2018. Com a caixa de Pandora da Lava-Jato aberta.
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