- O Estado de S. Paulo
“Há duas tragédias na vida.
A primeira é não obter
o que seu coração mais deseja.
A segunda é obter”
G. Bernard Shaw
Não há como deixar de abordar os dois temas que desassossegam a opinião pública: a crise econômica e o impeachment. A atual crise econômica é a pior que já tivemos no Brasil contemporâneo. A previsão de queda do PIB acumulado em 2015-16 é de pelo menos 6,5%; no período serão destruídos cerca de 3 milhões de empregos com carteira assinada. A contração dos investimentos no triênio 2014-16, prevê-se, será de 30%! A queda da produção industrial, de cerca de 18%. Some-se ainda nessa equação uma inflação superior a 10% ao ano.
Entre parênteses, a participação da indústria no PIB voltou ao nível de meados dos anos 1940. A marcha de desindustrialização segue em frente, promovida pelos governos petistas. Não me parece injusto repetir o que já disse no Senado: o PT é a vanguarda do atraso.
Em relação às finanças públicas, a situação é desesperadora: em 2015 o déficit nominal saltou para 10,5% do PIB, vindo de 6,2% em 2014. Em dinheiro: de R$ 344 bilhões para R$ 630 bilhões! A despesa com juros aumentou R$ 200 bilhões.
A responsabilidade original por esse desastre cabe ao ex-presidente Lula, que em seu segundo mandato jogou fora os frutos da bonança externa. Entre 2002 e 2008 o País ganhou U$ 100 bilhões por conta da melhora de preços do nosso comércio exterior, mas isso literalmente foi torrado em bens de consumo importados, turismo externo e expansão alucinada dos gastos correntes do governo.
Foi Lula, nesse período, que consagrou a filosofia macunaímica que plasma a alma petista: “Investimento? Produtividade? Ai, que preguiça!”. A economia seria como uma clara de ovo, que basta chacoalhar para crescer. “Emagreça comendo, exercite-se deitado, aprenda inglês dormindo.” Resultado: no final do segundo governo Lula o Brasil tinha uma taxa de câmbio supervalorizada, a maior carga tributária entre os emergentes, déficit em conta corrente em rápida ascensão e era um dos cinco países entre os emergentes que menos investiam em infraestrutura (em proporção do PIB).
Sob a Presidência de Dilma, a farra foi perdendo fôlego: fim da bonança externa, piora da situação fiscal e incapacidade do petismo – e do governo, em particular – de lidar com a economia em declínio. Um erro antológico foi a desoneração previdenciária das folhas de salário, empinando o déficit fiscal sem aumentar os investimentos desses setores. Sua inépcia e sua má ideologia tornaram inviável o aumento da presença do setor privado nos investimentos de infraestrutura. Mais ainda, o governo capitaneou os investimentos megalomaníacos e mal feitos da Petrobrás e promoveu contenção eleitoreira dos preços administrados de energia elétrica e combustíveis, criando desequilíbrios que depois da eleição de 2014 levariam ao estouro da inflação e à contração da economia/emprego.
Dilma começou seu segundo mandato sem aquele mínimo crédito de confiança necessário a um novo governo num contexto de crise. Tudo só piorou ao longo do ano: produção, emprego, contas fiscais e sustentação no Congresso – esta altamente correlacionada com a perda de popularidade da presidente.
Outro fator negativo foi a deterioração das políticas sociais, com destaque para o atendimento à saúde, hoje a segunda maior aflição das pessoas, depois da corrupção. O setor já vinha sofrendo danos na era petista: má gestão, falta de prioridades, surtos de corrupção. O desabamento da arrecadação da União, assim como dos Estados e municípios, que têm participação dominante no SUS, representou um golpe fatal para o setor ao longo de 2015.
Na economia, a contrapartida da rejeição popular foram as expectativas pessimistas dos agentes econômicos, que se retroalimentam numa espiral negativa. De um lado, não se investe por causa dessas expectativas. Do outro, a contração dos investimentos e do gasto privado piora a situação econômica. Hoje ninguém acredita que Dilma tenha ou venha a ter capacidade para enfrentar a crise.
O quadro econômico, social e político é o pano de fundo do juízo político que a Câmara fará ao admitir ou não as acusações de crime de responsabilidade contra a presidente, bem como do julgamento do Senado, caso a Câmara admita as acusações. Ou seja, a matéria irá além da simples qualificação jurídica. Diz respeito, também, a uma crise política de sérios contornos.
O Congresso deve trabalhar para que o processo do impeachment ande sem delongas, de maneira séria, e seja concluído o quanto antes.
O lulopetismo já naufragou. Estamos na transição para outro ciclo político e vivemos, por isso, o pior dos mundos: o velho se foi e o novo ainda não surgiu. Uma fase especialmente mórbida da História brasileira.
Se o impeachment ocorrer, o day after está esboçado: assume o vice-presidente Michel Temer, que se empenhará em formar um governo de união nacional para restabelecer a estabilidade política e enfrentar a crise.
Se não houver o impeachment, realiza-se o que o coração da presidente Dilma mais deseja: sua continuidade no cargo, mesmo que seja por um número pequeno de votos. O mínimo é de 171 deputados, mas digamos que obtenha 200...
O governo Dilma permanecerá sem crédito de confiança e sem sustentação política, sem levar em conta sua carência crônica de aptidão administrativa e sua alienação sobre o que deve ser feito. O day after será a reiteração enjoativa do pesadelo que experimentamos em vigília.
A tragédia 1, que terá sido evitada para Dilma, dará lugar à tragédia 2: o prolongamento do retrocesso mórbido e desestabilizador, com Dilma no centro de tudo.
É hora de a presidente encarar as duas tragédias que a espreitam: salvar-se, mantendo o País acorrentado na desesperança; ou deixar o mandato, criando a possibilidade de que o Brasil, com alguma sorte e juízo de suas lideranças, consiga retomar os caminhos do desenvolvimento.
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* José Serra é senador (PSDB-SP)
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