- O Globo
Reforma trabalhista é agenda do país, não do governo. Foi uma enorme derrota política para o governo Temer, a rejeição na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) da reforma trabalhista. Mas qual o sentido da vitória? Nenhum. O país tem 14 milhões de desempregados, a lei trabalhista é dos anos 1940, os países estão atualizando suas legislações e há pontos que precisam mesmo de mudança. A proposta do governo tem defeitos, mas esta também é uma agenda do país.
O foco de qualquer discussão no Brasil tem que ser como proteger os que estão mais vulneráveis: no desemprego, no emprego informal ou nas mais variadas formas de trabalho precário. Mas estes, pelas próprias circunstâncias, são os verdadeiros invisíveis. Essa reforma melhoraria a vida deles? Pode-se discutir isso. Talvez não. Mas o problema é que eles não aparecem no debate dos que dizem defender os trabalhadores.
Houve uma discussão ontem na CAS que mostra o caráter ambíguo deste assunto no Brasil. A lei propõe que não seja contado como tempo trabalhado o tempo de transporte do trabalhador até o local do emprego. E os que votaram pela rejeição da lei disseram que é um absurdo porque as pessoas gastam um enorme tempo em transporte de má qualidade nas grandes cidades para chegar à empresa. Isso é verdade. O problema é que só se conta como tempo trabalhado, na interpretação de alguns juízes, quando o empregador oferece o transporte. Quando o funcionário usa ônibus, trem e metrô, o tempo não é contado de qualquer maneira. Então, tudo o que a rejeição desse ponto garante é que o empregador não oferecerá mais o transporte para o empregado. Tira-se o que, na maioria das vezes, é um conforto.
O teletrabalho é outro ponto. Hoje há um vácuo na lei sobre isso e cada juiz faz a sua interpretação. Como esse tipo de trabalho foi criado pelas novas tecnologias, precisa mesmo haver uma regulamentação. A proposta do governo era de regulamentar. São milhões os que trabalham dessa forma e vivem na insegurança.
— Foi uma decisão de olhos no retrovisor, quando o mercado de trabalho exige que olhemos para frente. A luta política se sobrepôs a um debate racional da questão — diz o senador Ricardo Ferraço, que foi o relator do projeto aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos e derrotado ontem na Comissão de Assuntos Sociais.
Hoje o projeto deve ser lido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas já chega enfraquecido. Mesmo assim, a proposta pode ir ao plenário, que é sempre quem dá a última palavra em qualquer projeto, explica o senador. Mas está claro o recado dado na Comissão: o governo Temer não conseguiu os 11 votos que precisava para fazer uma lei ordinária avançar.
A situação política é extremamente complexa. Como um governo tão contestado, e tão impopular, pode fazer andar uma proposta de reforma em leis trabalhistas ou previdenciárias? É difícil mesmo. E a resposta mais imediata é que o governo não tem condições de propor essas mudanças. Por outro lado, há uma agenda que o Brasil terá que enfrentar em algum momento. A Previdência tem um enorme déficit, e negar a existência do rombo não vai reduzilo. As leis trabalhistas não estimulam a criação de empregos, não criam parâmetros para as novas profissões, não dão espaço para arranjos mais flexíveis entre empregador e empregado e ainda estimulam os contenciosos judiciais entre os dois lados.
Os direitos fundamentais estão todos garantidos na Constituição, artigo 7º, em 34 incisos. A proposta tem defeitos, como a pouca clareza do trabalho intermitente. E isso o senador Ferraço alertou, propondo a rejeição. Tinha vantagens, como o fim do imposto sindical ou a possibilidade de receber 80% do saldo do FGTS quando o trabalhador pede demissão. Hoje ele nada recebe. Dos 103 milhões da População Economicamente Ativa, só 50 milhões têm contrato formal — 11 milhões de servidores públicos e 39 milhões nos setor privado. A outra metade está no trabalho informal, por contra própria, desempregado ou subempregado. E todos sabem que isso não é apenas porque o país está em recessão. Mesmo quando o PIB cresce, o problema não desaparece. Pode-se derrotar Temer. É o mais fácil. Mas o difícil será encontrar uma forma moderna e inclusiva de organizar a relação capital trabalho no Brasil.
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