Mecanismos de transferência direta de renda têm importância, mas precisam de gestão atenta
Em mais uma metamorfose do governo Bolsonaro, o lançamento do Renda Brasil, mencionado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, na reunião ministerial de terça-feira, representa a conversão do presidente a um tipo de política social muito criticado por ele durante a campanha eleitoral. A ideia, pelo que se entende, está relacionada à decisão de prolongar o abono de emergência de R$ 600 por mais dois meses, com um valor mais baixo, o que se justifica pela indiscutível necessidade das dezenas de milhões de pessoas que estão no mercado informal terem alguma fonte de renda enquanto a economia não volta a girar.
O efeito político-eleitoral do Bolsa Família em favor do PT, que transformou o programa em símbolo da legenda, principalmente no Norte e Nordeste — não se coloca em dúvida os seus efeitos positivos no enfrentamento da pobreza e da miséria —, leva a que adversários de outros partidos sonhem em ter um Bolsa Família para garantir a fidelidade clientelista dos eleitores de baixa renda e instrução. A crise do coronavírus dá esta oportunidade a Jair Bolsonaro, que assim manda às favas um discurso de campanha.
Mais um, porque já haviam sido abandonadas as promessas de combate à corrupção. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, símbolo da Lava-Jato, teve seus espaços estreitados no governo até sair, e o presidente, em busca de base parlamentar para servir de escudo contra pedidos de impeachment e processos judiciais, abriu os guichês para o fisiologismo do centrão, grupo de partidos em que se abrigam políticos donos de prontuários judiciais, incluindo notificações da Lava-Jato.
O Renda Brasil, pelo que antecipou Paulo Guedes, utilizará o grande banco de dados criado pela Caixa Econômica, no credenciamento de milhões de pessoas para receber o abono. Em função da crise, o governo detectou 38 milhões que não constavam de qualquer registro, segundo Guedes. Seriam potenciais beneficiários do programa.
No início do ano, o Bolsa Família, lançado na gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso, rebatizado e ampliado por Lula, com a inclusão de mais benefícios, reunia pouco mais de 13 milhões de famílias, atingindo ao todo 40,8 milhões de pessoas, um país quase do tamanho da Espanha. Seu orçamento está na faixa dos R$ 30 bilhões, enquanto o abono de emergência, antes da extensão, iria custar R$ 45 bilhões.
A crise social não pode ser olhada apenas pelo ângulo das cifras. Mas elas existem e se converterão em dívida a ser paga pela sociedade. A dívida total explodirá, passando dos quase 80% do PIB para o nível próximo de 100%.
Mas não se deve descuidar da perenização de gastos de emergência nem abandonar a preocupação dos programas sociais lançados no início da década de 1990, caso do Bolsa Escola, absorvido pelo Bolsa Família, de estabelecer contrapartidas para o beneficiário conseguir cedo ou tarde livrar-se da tutela do Estado.
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