O
ser humano em situação de Brasil prevê o dinheiro recuperado sendo devolvido
aos ladrões, vai para um canto, cobre a cabeça de cinzas e chora
O
ser humano em situação de Brasil não tem paz. O ser humano em situação de
Brasil quer espairecer, quer tocar a vida, quer maratonar séries e acompanhar o
Big Brother, quer contar gracinhas dos seus gatos e conversar abobrinhas, quer
ser cronista de miudezas, mas a situação de Brasil se impõe sobre todo o resto.
Dá para ignorar a decisão da Segunda Turma do STF? Não, não dá. O ser humano em situação de Brasil precisa perder a tarde em frente à televisão assistindo a uma sessão do Supremo, coisa que nenhum ser humano em circunstâncias normais jamais precisaria fazer em qualquer outra parte do mundo, a menos que se especializasse em Direito e achasse tudo aquilo fascinante.
O
ser humano em situação de Brasil é confrontado pelos dilemas criados pelo
desenrolar tortuoso da Lava-Jato — que, ainda assim, foi uma das operações mais
importantes já deslanchadas no país contra a corrupção.
O
ser humano em situação de Brasil vê as bases da sua única esperança de Justiça
contra os poderosos desmoronarem não porque eles sejam inocentes, mas porque
elas estavam construídas sobre areia.
O
ser humano em situação de Brasil prevê o dinheiro recuperado sendo devolvido
aos ladrões, que em breve entrarão com novos processos e recursos pedindo
indenizações milionárias — e provavelmente ganharão todas, sendo o Brasil
Brasil.
O
ser humano em situação de Brasil não encontra consolo na lei.
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A
corrupção escancarada pela Lava-Jato era evidente, e não há fato que altere
isso. Não há narrativa ideológica que explique o que foi revelado e os
montantes recuperados; “sempre se roubou no Brasil” não é uma justificativa
aceitável sob qualquer perspectiva.
Infelizmente
as pessoas que mais precisariam cuidar para que a operação não entrasse pelo
desvio e não fosse esmagada como está sendo não entenderam a grandeza do seu
papel, e se corromperam elas também. Há várias formas de corrupção, e a maioria
passa ao largo das grandes empreiteiras.
Um
dos piores problemas do Brasil é que os seus heróis são tacanhos e não têm
ambição. Penso constantemente naquele Sérgio, o Cabral, que era jovem, e que
poderia ter chegado à presidência e ter feito tanto, mas preferiu comprar
casas, joias e sapatos de sola vermelha. Eu ainda me lembro de como a cidade
comemorou a sua prisão: valeram, as quinquilharias?
Que
mentalidade.
Esse
outro Sérgio, o Moro, poderia ter mudado os rumos da História e ter se tornado
um exemplo para sempre, o valente juiz de província que confrontou as pessoas
mais poderosas da República — mas acabou tropeçando na própria vaidade e num
posto no governo.
Faltou-lhe
inteligência para perceber que, na corrida longa, um cargo é muito pouco
comparado a uma lenda.
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Enquanto
isso, a pandemia corre descontrolada, o presidente mente na televisão, as
panelas rugem, as vacinas não chegam, o país e o mundo desmancham pelas
costuras.
Não
dá para manter um mínimo de sanidade nesse ambiente.
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O ser humano em situação de Brasil vai para um canto, cobre a cabeça de cinzas e chora.
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